No seu discurso de abertura do Debate da 79.ª sessão da Assembleia-Geral da ONU (UNGA79, na sigla em inglês), António Guterres falava sobre como a discriminação e abusos com base no género são a “desigualdade mais prevalecente em todas as sociedades”, quando direcionou as atenções para a audiência amplamente masculina do próprio salão em que discursava.
“Todos os dias, parece que somos confrontados por casos ainda mais repugnantes de feminicídio, violência de género e violação em massa, tanto em tempos de paz, quanto como arma de guerra”, afirmou.
Em alguns países, adiantou, as leis estão a ser usadas para ameaçar a saúde e os direitos reprodutivos, e, em Estados como o Afeganistão, as leis são usadas para opressão sistemática de mulheres e meninas.
“E lamento observar que, apesar de anos de conversa, a desigualdade de género está em plena exibição neste mesmo auditório. Menos de 10% dos intervenientes durante o Debate Geral desta semana são mulheres”, assinalou.
Para Guterres, esse facto é “inaceitável”, “especialmente quando sabemos que a igualdade de género proporciona paz, desenvolvimento sustentável, ação climática e muito mais”.
O gabinete de António Guterres informou na segunda-feira que dos 194 intervenientes esperados durante a semana de debate, apenas 19 são mulheres (cinco chefes de Estado, uma vice-presidente, quatro líderes de Governo e nove ministras).
O ex-primeiro-ministro português advogou que a ONU tem tomado medidas específicas para alcançar a paridade de género entre lideranças seniores da Organização e garantiu aos Estados-membros que é possível atingir esse objetivo.
“Apelo às instituições políticas e económicas dominadas por homens em todo o mundo para que o façam”, instou.
Ainda sobre as crescentes desigualdades que se registam, desde a crise do custo de vida, passando pelos conflitos e pela questão climática, Guterres realçou que o mundo ainda não recuperou do impacto da pandemia de covid-19.
De acordo com o líder das Nações Unidas, dos 75 países mais pobres do mundo, um terço está pior hoje do que há cinco anos, e, durante o mesmo período, os cinco homens mais ricos do mundo mais do que duplicaram a sua riqueza.
“E os 1% mais ricos do mundo possuem 43% de todos os ativos financeiros globais”, criticou.
Já a nível nacional, alguns Governos estão a aumentar as desigualdades ao distribuírem “enormes isenções fiscais para empresas e ultra-ricos, enquanto prejudicam investimentos em saúde, educação e proteção social”, lamentou.
“Ninguém está a ser prejudicado mais do que as mulheres e meninas do mundo”, assegurou o secretário-geral.
Contudo, as desigualdades são mais amplas e estão também refletidas nas próprias instituições globais, com Guterres a apelar a uma reforma de órgãos como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que foi criado pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial, quando a “maior parte da África ainda estava sob domínio colonial” – o que se reflete na falta de representação africana permanente “no conselho de paz mais importante do mundo”.
“Isso deve mudar. Assim como a arquitetura financeira global, criada há 80 anos”, instou.
Repetindo os apelos por uma reforma acelerada da arquitetura financeira internacional, o chefe da ONU centrou-se nos países mais pobres do mundo, cujos pagamentos de juros da dívida custam agora mais, em média, do que os investimentos em educação, saúde e infraestruturas combinados.
Guterres pediu reformas para aumentar substancialmente a capacidade de financiamento dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento e permitir que eles aumentem maciçamente o financiamento acessível de longo prazo para o clima e o desenvolvimento, e também uma reestruturação da dívida de longo prazo.
“Excelências, não tenho ilusões sobre os obstáculos à reforma do sistema multilateral. Os que têm poder político e económico (…) estão sempre relutantes em mudar. Mas o ‘status quo’ já está a drenar o poder deles. Sem reformas, a fragmentação é inevitável, e as instituições globais tornar-se-ão menos legítimas, menos confiáveis e menos eficazes”, reforçou.
O debate de alto nível da UNGA79 arrancou hoje, em Nova Iorque, com a presença de dezenas de chefes de Estado e de Governo de todo o mundo, e irá prolongar-se até ao próximo dia 30.
Lusa