“Em relação a alguns suspeitos, há registo de mais do que uma vítima. Deste modo, os abusos envolveram, pelo menos, 24 vítimas, entre os 7 e os 17 anos. A grande maioria é do sexo masculino” e os “suspeitos identificados tinham entre 24 e 65 anos à data dos factos”, adiantam os jesuítas portugueses em comunicado.
A maior parte das situações conhecidas “aconteceu em contexto escolar, sendo que os relatos indicam os locais de dormida (os mais antigos, quando ainda havia regime de internato) e espaços onde os alunos se encontravam sozinhos com o suspeito, como gabinetes, enfermaria, mas também salas de aula onde uns alunos terão vivido e outros presenciado condutas sexualmente abusivas”, adianta o documento.
Os jesuítas portugueses referem ainda a existência de “relatos de abusos cometidos no âmbito do acompanhamento espiritual” e que as formas de abuso identificadas se caracterizam “por comportamentos e condutas com conotação sexual, como toques em zonas íntimas e manipulação de órgãos genitais”.
“Alguns relatos falam, genericamente, de ‘abusos sexuais’, sem se conhecerem os factos concretos, pelo que admitimos que possam ter sido praticados atos mais invasivos”, adianta o comunicado, sublinhando que causa “profunda dor” e “envergonha” perceber que “foram cometidos atos e mantidas práticas totalmente contrárias à mais elementar conduta ética e humana”.
Segundo a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, “a maior parte das vítimas transmitiram à Comissão Independente que não deram a conhecer os factos à data dos acontecimentos e que apenas muito mais tarde falaram com os seus familiares. Foram raros os que denunciaram o seu caso” às estruturas jesuítas.
“Nos casos em que houve denúncias, a consulta dos nossos arquivos leva a crer que foram tomadas medidas, tais como o afastamento do suspeito ou o seu isolamento em casa religiosa com proibição do exercício de atividade apostólica. Houve casos em que o processo conduziu à saída do suspeito da Companhia de Jesus. Não temos informação de que tenham existido processos judiciais ou canónicos. Em nenhum caso houve comunicação ao Ministério Público”, acrescenta o comunicado.
“Com mágoa, lamentamos que nem sempre tenham sido tomadas as medidas que hoje consideramos adequadas, nomeadamente no que diz respeito ao cuidado e proteção das vítimas”, adiantam os jesuítas portugueses, no dia em que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa divulgou o relatório de um ano de trabalho.
A Companhia de Jesus criou em novembro de 2021 o Serviço de Escuta, com o objetivo de acolher, escutar e acompanhar vítimas de qualquer forma de abuso nas suas instituições.
Os resultados da ação da comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht revelaram terem sido validado 512 testemunhos dos 564 recebidos, números que apontam para, com base em extrapolação, para a existência de, pelo menos, 4.815 vítimas de abuso no seio da Igreja Católica em Portugal desde 1950.
“Este estudo, encomendado pela Conferência Episcopal Portuguesa, era um passo essencial para compreender a dimensão e as características deste problema e, assim, encontrar estratégias que assegurem que estes crimes e o seu ocultamento não voltam a ocorrer”, expressam os jesuítas.
Também o Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português (CNE) agradeceu “o trabalho realizado pela Comissão Independente”, com a qual “colaborou desde o início, e cujo relatório final foi hoje conhecido”.
O CNE manifestou ainda a sua “total solidariedade com as vítimas e as suas famílias”, garantindo estar focado “no seu apoio e proteção”
“Lamentamos profundamente que tais situações tenham ocorrido, e reiteramos a nossa política de tolerância zero para com todas as formas de abuso. Desta forma, assumimos que o nosso trabalho enquanto comunidade eclesial educativa não termina aqui. Continuamos empenhados em promover um ambiente e uma cultura institucional em que as vítimas se sintam protegidas para reportar situações que tenham sofrido no passado ou no presente”, acrescenta um comunicado do CNE.
O Corpo Nacional de Escutas tem, desde 2016, “uma estrutura interna denominada ‘Escutismo: Movimento Seguro’, que dispõe de uma ferramenta de reporte, disponível para qualquer pessoa, associado do CNE ou não, para que qualquer preocupação ou ocorrência possam ser relatadas. Todas as situações, sem exceção, são analisadas por uma equipa multidisciplinar composta por voluntários e profissionais, que atuam em conformidade com as situações expostas, dando seguimento para as autoridades judiciais sempre que se demonstra necessário”.