A decisão, que hoje é noticiada pelo jornal Público e pode ser consultada na página do TC, surge na sequência de um recurso interposto pelo Ministério Público (MP) a uma decisão tomada pelo Tribunal Judicial de Ponta Delgada de libertar um homem que se queixou da quarentena de 14 dias imposta pelo governo açoriano.
Depois da decisão do tribunal de primeira instância, o MP recorreu para o TC, mas os juízes do Palácio Raton consideram, na decisão datada de 31 de julho, que “todas as normas disciplinadoras de um direito liberdade ou garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República”, exigência que “ganha particular relevância quando estão em causa compressões ou condicionamentos a um direito”.
Dizem ainda que “[…] a distinção entre privação total da liberdade (nomeadamente a prisão, que aliás pode revestir diversos graus de intensidade de confinamento) e a privação parcial (por exemplo, a proibição de entrada em determinados locais, proibição de residência em determinada localidade ou região) só tem relevo constitucional na medida em que a diferente gravidade de uma e outra deve ser tomada em conta na sua justificação sob o ponto de vista do princípio da proporcionalidade”.
Desde o dia 26 de março que todos os passageiros que chegavam aos Açores eram obrigados a ficar 14 dias em confinamento numa unidade hoteleira indicada pelo executivo açoriano, como medida restritiva para travar a evolução da pandemia da covid-19, tendo as despesas com o alojamento passado a ser pagas pelos passageiros não residentes no arquipélago a partir de 08 de maio.
Na sequência da decisão do tribunal judicial de libertar o queixoso, o presidente do Governo dos Açores anunciou que, a partir do dia 17 de maio, os passageiros que chegassem à região passavam a poder escolher entre quatro opções: viajar já com um teste negativo feito previamente à partida; submeter-se a um teste no momento da chegada e aguardar pelo resultado; cumprir um período de quarentena voluntária de 14 dias num hotel determinado, com os custos suportados pela região, ou regressar ao destino de origem.
O queixoso, um piloto aviador que presta serviço numa companhia aérea estrangeira, tem casa de família em S. Miguel, onde reside a mulher, tinha regressado a Portugal a 08 de maio, permanecendo em Lisboa até ao dia 10 de maio, pois só nessa altura houve voo para S. Miguel.
Disse ter aterrado em Ponta Delgada no dia 10 de maio e explicou que, durante o voo, lhe foi entregue pelo pessoal de cabine um questionário, que presume fosse emitido pela autoridade de saúde regional, contendo questões sobre o local de onde provinha, se tinha determinados sintomas, quais os seus contactos, questionário que preencheu.
Segundo explica a decisão do TC, na mesma ocasião, foi-lhe entregue uma declaração parcialmente preenchida, que devia completar com a sua identificação e assinatura, declarando que o incumprimento de quarentena o fazia incorrer em crime de desobediência, declaração que não subscreveu por não concordar.
Acabou, ainda assim, por ser transportado num autocarro, escoltado por um carro policial, para um hotel de Ponta Delgada, sendo informado de que não podia sair do quarto, onde teria de permanecer durante os próximos 14 dias, apesar de o teste que fez à covid-19 ser negativo.
Alegando “privação ilegal de liberdade”, avançou com um pedido de libertação imediata (‘habeas corpus’) contra a imposição do Governo dos Açores.
O Tribunal Judicial de Ponta Delgada acabou por lhe dar razão e ordenou a sua libertação, mas o MP recorreu para o TC, que vem agora dizer que a medida da quarentena obrigatória imposta pelo Governo dos Açores viola a Constituição.