"Há formas múltiplas de homenagear os nossos grandes. Obviamente, o Estado curva-se perante a memória do coronel Otelo Saraiva de Carvalho", disse António Costa, lembrando as declarações e a presença "do próprio Presidente da República" no velório do militar de Abril, hoje, em Lisboa, e o comunicado que o Governo divulgou logo na manhã de domingo, dia em que morreu.
"Creio que é inequívoco a forma como o Estado homenageia o coronel Otelo Saraiva de Carvalho", afirmou o primeiro-ministro aos jornalistas, momentos antes de entrar na capela da Academia Militar, em Lisboa, onde está a decorrer o velório de Otelo Saraiva de Carvalho e onde ouviu gritos a reclamar "luto nacional" de algumas das pessoas que aguardavam na fila.
O primeiro-ministro lembrou as declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, duas horas antes, no mesmo local, quando afirmou que também não houve luto nacional pela morte de outros militares protagonistas do 25 de abril de 1974, que derrubou a ditadura do Estado Novo.
"Como o senhor Presidente da República já teve ocasião de esclarecer, o Estado tem de procurar manter coerência e consistência relativamente à forma como homenageia aqueles que nos deixam", afirmou.
Sublinhando que Otelo Saraiva de Carvalho é uma figura "proeminente" na história do 25 de Abril, António Costa afirmou que "ninguém diminui" a sua "importância e relevância".
O primeiro-ministro, que encontrou a mãe na fila para a entrada no velório de Otelo Saraiva de Carvalho, disse ter ido à capela da Academia Militar "prestar homenagem" a um homem a quem o país deve "esse momento único" e "inicial" de reconquista da liberdade e da democracia, "e uma figura que a esmagadora maioria do povo português respeita, admira seguramente" por esse momento.
António Costa disse ainda que tem também "um especial carinho" por Otelo Saraiva de Carvalho por uma história pessoal, de quando era criança e a sua mãe esteve em serviço na Guiné-Bissau.
Nessa época, Otelo Saraiva de Carvalho, então o oficial responsável pela assessoria de imprensa do general Spínola em Bissau, era "a única ponte de contacto" entre António Costa e a mãe, a jornalista Maria Antónia Palla, o que fazia com telefonemas às sextas-feiras, tendo também trazido cartas para o agora primeiro-ministro quando veio a Lisboa.
Nascido em 31 de agosto de 1936 em Lourenço Marques, atual Maputo, Moçambique, Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho teve uma carreira militar desde os anos 1960, fez uma comissão durante a guerra colonial na Guiné-Bissau, onde se cruzou com o general António de Spínola, até ao pós-25 de Abril de 1974.
No Movimento das Forças Armadas (MFA), que derrubou a ditadura de Salazar e Caetano, foi ele o encarregado de elaborar o plano de operações militares e, daí, ser conhecido como estratego do 25 de Abril.
Depois do 25 de Abril, foi comandante do COPCON, o Comando Operacional do Continente, durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), surgindo associado à chamada esquerda militar, mais radical, e foi candidato presidencial em 1976.
Na década de 1980, o seu nome surge associado às Forças Populares 25 de Abril (FP-25 de Abril), organização armada responsável por dezenas de atentados e 14 mortos, tendo sido condenado, em 1986, a 15 anos de prisão por associação terrorista. Em 1991, recebeu um indulto, tendo sido amnistiado cinco anos depois, uma decisão que levantou muita polémica na altura.