“As conclusões possíveis, dada a distância temporal e a impossibilidade de localização de dados e documentos potencialmente relevantes, confirmam a existência de casos de vendas agressivas, em particular em algumas emissões de dívida, mas não permitem a identificação de evidências de prática generalizada de comercialização irregular de produtos financeiros”, disse Gabriela Dias na comissão de Orçamento e Finanças.
Apesar de ter admitido que nesta análise a CMVM se deparou com alguns problemas, nomeadamente de não identificação de documentos, a responsável pelo regulador dos mercados financeiros disse que a averiguação do que se passou no Banif com a venda de produtos financeiros envolveu um “esforço significativo”, em que contou com a ajuda do Banco de Portugal, com a “recolha e análise de milhões de registos de clientes, 400 gigabytes de informação e dezenas de entrevistas a ex-colaboradores e clientes”.
Em meados do ano passado, depois de ter recebido mais de mil reclamações de obrigacionistas do Banif que se queixam de vendas fraudulentas (‘misselling’), a CMVM começou a avaliar a forma como foram vendidos os produtos financeiros pelo banco, inclusivamente com inspeções presenciais.
A intervenção hoje no parlamento da presidente da CMVM é a primeira conclusão conhecida desse processo.
Desde a resolução do Banif (em final de 2015), que os lesados do banco – representados na ALBOA – Associação de Lesados do Banif – pedem uma solução que os compense das perdas sofridas, à semelhança da encontrada para os lesados do papel comercial vendido pelo BES.
Para estes clientes era importante a prova de que houve vendas fraudulentas (‘misseling’) no Banif, sobretudo quando era já maioritariamente detido pelo Estado, uma vez que isso poderia facilitar a criação de um mecanismo de compensação.
Em maio, o primeiro-ministro disse na Madeira que se a CMVM declarar que houve práticas incorretas no caso do Banif o Governo vai tratar a situação dos lesados.
“Se houver apreciação no mesmo sentido relativamente aos lesados do BES, trataremos as pessoas com o mesmo princípio de igualdade, que deve ser respeitado”, declarou então António Costa em conferência de imprensa, após a reunião com o presidente do Governo Regional da Madeira.
“O Governo não se pode substituir à CMVM nessa declaração”, vincou.
Em dezembro de 2014, o Banif foi alvo de uma medida de resolução, por decisão do Governo e do Banco de Portugal, tendo desde então milhares de clientes afirmado-se lesados pelo banco.
A ALBOA tem dito várias vezes que entre os lesados do Banif estão muitos clientes de poucas habilitações que, persuadidos pelos comerciais do banco, transferiram poupanças de depósitos para obrigações e dá mesmo como exemplo “situações vividas nos Açores, onde testemunhas referem que os comerciais bancários se deslocaram com frequência até aos campos de pastorícia de gado" para venderem as obrigações.
Dos clientes do Banif afetados pela situação e resolução do banco há 3.500 obrigacionistas, em grande parte oriundos das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, mas também das comunidades portuguesas na África do Sul, Venezuela e Estados Unidos, que perderam 263 milhões de euros.
Além destes, há ainda a considerar 4.000 obrigacionistas Rentipar (‘holding’ através da qual as filhas do fundador do Banif, Horácio Roque, detinham a sua participação), que investiram 65 milhões de euros, e ainda 40 mil acionistas, dos quais cerca de 25 mil são oriundos da Madeira.
Após a resolução do Banif, parte da sua atividade foi adquirida pelo Santander Totta por 150 milhões de euros, tendo sido ainda criada a sociedade-veículo Oitante, para onde foi transferida a atividade bancária que o comprador não adquiriu.
Na segunda-feira, o Banco de Portugal anunciou que pediu o início da liquidação judicial do Banco Internacional do Funchal (Banif), na sequência da revogação pelo Banco Central Europeu (BCE) da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito.
LUSA