“O primeiro problema é a habitação. É um problema grave. Embora tenham sido oferecidas inicialmente muitas habitações pelos privados, pelas câmaras, pelas juntas, percebemos que os privados não podem aguentar muito tempo ter as pessoas, até por estarmos a enfrentar o aumento dos preços, da inflação”, disse à agência Lusa o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), Pavlo Sadokha.
Parte dos ucranianos que procuraram refúgio em Portugal após a invasão russa, a 24 de fevereiro, regressou à Ucrânia desde que no início do verão o país conseguiu libertar algumas cidades e travar o avanço das tropas russas.
Porém, com a mobilização da Rússia nos últimos meses, este regresso parou e, apesar de não se verificarem novos fluxos de refugiados para Portugal no momento, nada pode atestar que não voltarão a acontecer, reconheceu. “Neste momento, não sentimos um novo fluxo dos migrantes para Portugal, o que não quer dizer que não vá acontecer, porque a situação na Ucrânia não é fácil e é possível que venham novas ondas”, admitiu.
Em outubro, a Rússia reforçou a ofensiva e deu início a novos ataques massivos com mísseis, que destruíram quase metade do sistema energético da Ucrânia.
A informação que chega à associação, constituída em 2003, é que os ucranianos no terreno estão preparados para continuar a resistir à invasão russa, que completa um ano este mês: “Não mostram vontade de refugiar-se, neste momento, o que não quer dizer que a situação não possa mudar, consoante o desenvolvimento da guerra na Ucrânia”.
Pavlo Sadokha faz um balanço positivo do processo de integração das primeiras vagas de ucranianos que chegaram Portugal no último ano, apesar dos problemas que persistem.
O que mais se destaca é a dificuldade em alugar uma casa. Embora exista um projeto de apoio ao arrendamento, “não funciona muito bem em todas as freguesias, em todo o país”, segundo o dirigente associativo.
Os refugiados deparam-se também com a exigência do contrato, fiadores e pagamento antecipado de rendas. “Esses ucranianos não têm, porque vieram sem dinheiro e ainda não ganharam para ter alguns fundos para pagarem sinal”, especificou, dando conta de “sérios problemas” jurídicos e de mercado.
“Já não pedem duas rendas, como é habitual. Pedem três, quatro e até houve alguns casos, em Coimbra, em que pediram o adiantamento de seis, sete meses de renda!”, exemplificou Sadokha, alertando que este é ”um valor que é impossível para refugiados” e a fonte do principal problema que enfrentam em Portugal.
Na hierarquia das dificuldades segue-se, de acordo com a mesma fonte, a demora na atribuição das autorizações de permanência.
“É também o que sentimos ultimamente, nos últimos seis meses, pelo apoio jurídico e pelos refugiados que nos pedem ajuda. Há processos que demoram três, quatro meses, e nesses três, quatro meses, as pessoas não podem nem começar a trabalhar, porque não têm ainda dados, nem ter apoio do Sistema Nacional de Saúde. É uma questão que nos preocupa”, sublinhou.
Mas há ainda um “terceiro e grave problema”, na avaliação do presidente da AUP: o estado psicológico destas pessoas, provocado pelo stress de guerra e pela incerteza de não saberem se conseguem algum dia voltar ou se terão de refazer a vida profissional em Portugal. “Isso bloqueia-os”, assegurou.
O bloqueio acaba por ter consequências a nível emocional e social, interferindo com a aprendizagem do português, apesar da imensa oferta de aulas existente.
“Passou o primeiro choque de fugirem da Ucrânia e agora estão a enfrentar a realidade da incerteza do que têm de fazer (…). Vimos que a maioria dos ucranianos, mesmo aqueles que já têm trabalho, ainda não saíram daquele estado de incerteza. E até reparamos nisto, por exemplo, na aprendizagem de língua portuguesa”, contou Pavlo Sadokha em entrevista à Lusa, durante a qual se manifestou “muito satisfeito” com a posição dos portugueses perante o conflito.
Mesmo com a diminuição da onda inicial de donativos, os portugueses continuam a mobilizar-se quando há um agravamento da situação, como foi o caso do ataque ao sistema energético da Ucrânia, garantiu.
“Houve pessoas que se juntaram para enviar geradores e roupa. Muito agradeço o apoio dos portugueses. A opinião pública é muito importante para influenciar a decisão dos políticos. Sem o apoio da Europa, a Ucrânia não tinha aguentado até agora”, declarou.