“O Governo em 2017 teve capacidade criativa de criar uma nova tributação aos portugueses, o imposto acrescentado de bebidas açucaradas, vulgo imposto coca-cola, que beneficiou os cofres do Estado em cerca de 85 milhões de euros. Aquilo que pedimos é que pelo menos 30% desse imposto seja alocado diretamente à saúde oral”, afirmou Miguel Pavão, que iniciou hoje, em Matosinhos, um roteiro para fazer um balanço do projeto governamental ‘Saúde Oral para todos’.
Em termos da “orgânica e burocracia” do Estado, “estas contas são difíceis de fazer, mas eu acho que, se há criatividade para se criar tributação aos portugueses, deve existir criatividade para alocar essa tributação às causas que faltam cumprir nas políticas nacionais”, sublinhou.
O bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas iniciou no Centro da Saúde de Leça da Palmeira, em Matosinhos, o Roteiro “Medicina Dentária no SNS” que, até quinta-feira, percorrerá várias unidades das cinco administrações regionais de saúde do país para ver as condições de trabalho dos médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O projeto do Governo ‘Saúde Oral para todos’ previa a inclusão de consultas de medicina dentária em, pelo menos, um centro de saúde em cada ACES (agrupamento de centros de saúde) até 2019, mas este é “um plano que está longe de ser cumprido”, de acordo com Miguel Pavão.
Segundo disse à Lusa, atualmente existem no SNS 135 médicos dentistas, quando seriam necessários 290 para responder ao projeto do Governo.
“Os sucessivos Governos utilizam a saúde oral como uma bandeira, em períodos eleitorais, mas acabam por não a priorizar”, lamentou o bastonário.
O programa Saúde Oral para Todos, "prometia aos portugueses ter uma unidade de saúde oral em cada ACES, mas estamos em 2021 e menos de 40% do território nacional tem esse desígnio cumprido”.
Neste panorama, segundo o responsável, a região Norte é a que regista um investimento maior nesta área, nomeadamente, até, no modelo como se contratam médicos dentistas.
“No Norte, existe o modelo de contrato, mas no resto do país é através da contratação de empresas temporárias, e isso é uma fragilidade muito grande”, considerou, ressalvando que a ordem “não tem qualquer palavra a dizer nas relações laborais” por não ser um sindicato, mas “tem uma palavra muito importante no que se refere à deontologia e à relação entre o médico e o doente”.
Para Miguel Pavão, “é impossível criar-se uma relação médico doente de confiança e qualidade, se não for sedimentada no tempo”.
“A rotatividade de poucos meses entre médicos dentistas e as empresas temporárias de trabalho não ajuda a sedimentar os profissionais no SNS e, obviamente, que isso faz com que essa relação com o doente se deturpe. Devemos lembrar que a ‘alma mater’ do SNS são os seus profissionais”, frisou.
Admitindo que a oferta do SNS não será suficiente, nomeadamente na área da reabilitação oral, o bastonários dos dentistas defendeu a realização de convénios com o setor privado e parcerias com as universidades.
“É uma manta de retalhos, desde logo com apostas mais fortes – como é o caso que vemos aqui na ULS de Matosinhos, entidade com competências, administração e orçamento autónomos. Há 16 anos que investe na saúde oral, sem grande possibilidade de escalar por falta de capacidade financeira e de uma legislação que falta cumprir, nomeadamente naquilo que é a preparação de uma carreira para os médicos dentistas”, acrescentou.
No último dia deste roteiro, na quinta-feira, em Lisboa, o Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas espera a presença da ministra da Saúde, Marta Temido.