Questionada pela agência Lusa sobre se o processo de classificação da obra do compositor português já estava terminado, a DGPC admitiu que a rapidez do processo tem sido comprometida pela “não concordância dos diferentes proprietários”.
O Ministério da Cultura anunciou, em agosto de 2020, que a DGPC iria abrir um processo de classificação da obra fonográfica de José Afonso (1929-1987) como um “conjunto de bens móveis de interesse nacional”, por considerar que representa um “valor cultural de significado para a Nação”.
Na altura, foi determinada a classificação de 30 fonogramas da autoria do compositor, bem como 18 cópias digitais de ‘masters’ de produção de um conjunto de cassetes gravadas pelo autor e de uma série de entrevistas.
Mais de três anos depois da abertura do processo, a DGPC reconhece “a dificuldade na obtenção de autorização por parte da totalidade dos detentores dos bens em apreço para a prossecução do procedimento de classificação”.
Escudando-se na lei, a direção-geral não revela quem são os proprietários e explica que sem autorização dos mesmos não consegue fazer a peritagem dos bens, ou seja, não consegue perceber as suas características e o estado de conservação, por exemplo.
No entanto, para a DGPC não há qualquer impasse no processo de classificação: “Trata-se de um processo particularmente complexo, na medida que envolve vários detentores, o que acarreta a necessidade de mais tempo para a conclusão do mesmo”.
Como está em vias de classificação, a obra de José Afonso já está sob proteção no âmbito da Lei de Bases do Património Cultural, mas a DGPC sublinha que aguarda a “desejável autorização dos proprietários para a classificação dos bens”.
Este processo tem contado com apoio técnico do Arquivo Nacional do Som, liderado pelo antropólogo Pedro Félix, que, em declarações à Lusa, lembrou que este é um caso pioneiro, porque, pela primeira vez, está a tentar classificar-se uma obra fonográfica.
Das visitas técnicas em que participou, Pedro Félix disse que o estado de conservação dos bens fonográficos “é mais do que razoável”. “Aquilo que ouvimos, os bens que eu vi, estão todos em ótimo estado”, disse.
Quando foi aberto o processo, o Ministério da Cultura justificava que a classificação ajudaria a “consolidar informação relativa à obra gravada, publicada ou não, do artista”.
Sobre a decisão de classificar a obra, Pedro Félix lembrou que, no espírito da lei, não é “uma espécie de celebração”.
“Isto não é um Prémio Nobel. Ou seja, o facto de classificar um bem não é dizer que ele é mais ou menos importante. Classificar um bem é dizer: Nós, cidadãos portugueses, estamos comprometidos em todas as ações necessárias para inverter o risco ou a ameaça que recai sobre o bem”, disse.
Já com o processo em curso, a família de José Afonso anunciou, em abril de 2021, a reedição gradual, incluindo em digital, dos 11 álbuns do ‘cantautor’ lançados originalmente entre 1968 e 1981 e que estavam há vários anos indisponíveis no mercado.
O plano editorial foi concluído em outubro, com a edição de álbum “Fados de Coimbra e Outras Canções”.
Estando a obra disponível, Pedro Félix disse que “provavelmente, entretanto, ter-se-á esgotado, eventualmente, a urgência ou a perceção, de que, de facto, o bem não estaria acessível. E, entretanto, por acaso, foi estando acessível, foi sendo tornado acessível”.
Sobre a hipótese de este processo caducar, porque há prazos estipulados na lei, a DGPC explica que “não se coloca a caducidade do processo pois não foi denunciada a mora” ou atraso.
Enquanto decorre este processo de classificação, em novembro passado, a Câmara Municipal de Grândola e a Direção Regional de Cultura do Alentejo anunciaram a proposta de classificação de dois bens que incluem a música “Grândola Vila Morena”, de José Afonso, como Património Fonográfico Nacional.
Um deles é a gravação original da senha da revolução de 25 de Abril de 1974 transmitida no programa “Limite”, da Rádio Renascença, na noite da revolução, em 1974, que inclui a canção de José Afonso.
O outro é a interpretação daquela música no I Encontro da Canção Portuguesa, realizado no dia 29 de março de 1974, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
“Queremos transformar [estes registos] em património nacional, dada a importância que eles têm e porque um dia corríamos o risco de se perderem”, justificou em novembro o presidente da câmara de Grândola, António Figueira Mendes, à agência Lusa.
Lusa