“A Ásia Central é uma das nossas preocupações”, afirmou António Vitorino no Seminário Diplomático 2023, que decorre entre hoje e quinta-feira em Lisboa, explicando que muitos cidadãos russos estão a deixar o país e a dirigir-se para países da Ásia Central para fugir das consequências da guerra.
“Só para o Cazaquistão saíram 650 mil” russos, referiu o responsável da agência das Nações Unidas dedicada às migrações, adiantando que “esse êxodo representa uma grande pressão sobre os países limítrofes” da região asiática.
“A situação está a agravar a crise da economia e a exercer uma grande pressão sobre o mercado de trabalho e habitacional”, descreveu António Vitorino, acrescentando que constitui também um “fenómeno social” complicado, já que “quem está a entrar nesses países são russos, os seus antigos colonizadores”.
De acordo com António Vitorino, quem está a imigrar da Rússia atualmente são “os mais jovens e menos qualificados”, quer para fugir da incorporação militar na guerra, quer porque os trabalhadores mais qualificados saíram do país logo a seguir à invasão da Ucrânia, em fevereiro do ano passado.
A guerra na Ucrânia tornou-se, segundo António Vitorino, num exemplo das transformações que as crises humanitárias sofreram nos últimos anos.
“A invasão russa gerou uma crise atípica”, disse o responsável da OIM, lembrando que já provocou “quase 8 milhões de refugiados e 7 milhões de deslocados”.
Mas a maior diferença em relação às crises migratórias registadas em países como a Venezuela ou a Síria foi a rapidez com que se desenvolveu.
“O pico dos deslocamentos [da e na Ucrânia] registou-se em apenas 4 meses. Na Venezuela e na Síria, [a situação] foi resultado de vários anos de crise”, explicou, acrescentando que a maioria dos refugiados da Ucrânia também é diferente do que aconteceu noutras crises.
“A maioria são mulheres, idosos e crianças”, lembrou António Vitorino, sublinhando que essas características criam um outro nível de perigos, como a exploração sexual, que não eram tão acentuados no passado.
Por outro lado, a guerra na Ucrânia foi alvo da adoção, pela primeira vez, de uma medida de proteção temporária na União Europeia.
Uma medida que António Vitorino lembrou ter sido criada por si há 20 anos, na época em que era comissário europeu, mas que nunca tinha sido usada, mesmo quando os migrantes fugidos do conflito na Síria provocaram uma enorme crise na Europa, em 2015.
“Isto levou muitos a considerar que a Europa tem dois pesos e duas medidas” consoante a origem dos migrantes, admitiu o diretor da OIM, que disse ter apenas uma resposta para este tipo de observações: “mais vale tarde do que nunca”.
A Ucrânia também levou muitos responsáveis a acusar as agências da ONU de favorecerem as vítimas desta guerra em relação a outras crises humanitárias no mundo.
“Há a perceção de que os recursos estão a ser canalizados para Ucrânia, mas não é verdade”, garantiu, adiantando que “em 2022 24 mil milhões de euros foram canalizados para várias crises”.
“Há uma assimétrica visibilidade das crises. Estamos constantemente a ver a situação na Ucrânia, mas, ao mesmo tempo, desenvolveu-se uma crise na Etiópia que praticamente não vimos”, reconheceu, explicando que os governos tendem a responder à perceção da opinião pública.
Por outro lado, António Vitorino sublinhou que as próprias crises humanitárias estão a sofrer uma transformação.
“Historicamente, as crises humanitárias duravam, em média, cinco anos. Agora duram, em média, 10 anos”, disse.
Além disso, “está a criar-se um modo de dependência de ajudas humanitárias” e como “o mundo humanitário e o mundo do desenvolvimento não se encontram no mesmo caminho e competem por recursos, isto cria uma fatiga dos doadores”, alertou.
Lusa