“A pandemia (da covid-19) foi terrível, porque o nosso serviço esteve praticamente encerrado, apenas se atendiam emergências na sala de partos. Quando regressámos [presencialmente] era preciso fazer com que tudo fosse funcional”, explica a médica à agência Lusa.
Lina Figueira é médica, professora e coordenadora de distintos niveles de estudos de obstetrícia e ginecologia, na Escola de Medicina Luís Razetti, uma das mais importantes do país e que funciona no Hospital Universitário de Caracas, instituição pública de referência nacional na Venezuela e que hoje é Património Mundial da Humanidade.
“Então eu pensei, se é isto que temos de fazer e isto é tão adverso e o país é tão adverso, vamos criar um projeto, a que chamei de Projeto Refúgio (…) para fazer disto [a escola] abrigo onde nos sintamos bem, que esteja limpo, bonito e funcional e que possamos atender os nossos residentes, estudantes e os pacientes que entram e saem do serviço”, conta.
Filha de madeirenses naturais de Santo António, Funchal, Lina Figueira explica ainda que graças ao Projeto Refúgio foram “comprando umas coisinhas”, pintaram o edifício e conseguiram “um computador para os rapazes [estudantes]”.
“Doaram-nos algum dinheiro e eu publiquei um trabalho [de investigação] que ganhou um prémio numa revista e alguém me viu no Instagram e ligou-me para dizer que queria apoiar-nos, apoiar a universidade (…) foi então que comprámos cortinas, pintámos, reparámos o ar condicionado do auditório, limpámos”, sublinha.
Esta luso-venezuelana diz estar “orgulhosa” porque o serviço está a funcionar, as aulas continuam, inclusive uma especialização de um ano em “pavimento pélvico” que ela própria leciona e sobre a qual fez uma pós-graduação nos Estados Unidos e outra no Porto, em Portugal.
“A pandemia foi o pior momento para o hospital, porque surpreendeu em plena crise económica, mas é bonito como a academia se tem mantido com a colaboração de todos”, refere Lina Figueira.
Por outro lado, diz, quando os alunos regressaram às aulas presenciais, os pais de alguns deles entenderam que mesmo tratando-se de uma universidade pública, gratuita, “tinham de participar de uma maneira mais ativa, se organizaram e começaram a ajudar” com papel, luvas, antisséticos e até um projetor de vídeo.
Segundo Lina Figueira, o trabalho naquele hospital “é por vocação” porque os salários são insignificantes: “dá vergonha dizer quanto ganhamos”. É o sorriso dos pacientes e a energia dos estudantes que compensa o esforço, diz.
Por outro lado, lamenta que, devido à crise económica, no Hospital Universitário de Caracas os recursos sejam escassos, inclusive para fazer investigações.
Segundo esta lusodescendente, estudar medicina na Venezuela tem ficado cada vez mais difícil, porque muita gente emigrou, e os estudantes, muitos deles de famílias humildes, viajam do interior para a capital, sem o apoio dos pais, “sem ter um papá português que os ajude”.
“Os portugueses que vieram para a Venezuela fizeram grandes sacrifícios, destacaram-se pela sua capacidade de trabalho e empenharam-se em dar melhores condições de vida aos filhos para que os filhos estudassem o que eles não puderam estudar”, acrescenta a médica, insistindo que herdou a genica dos portugueses.
A Portugal, à comunidade, empresários e industriais portugueses, apela a que apoiem o Projeto Refúgio e a que contribuam para materializar o sonho de “levar educação e saúde” aos futuros médicos da Venezuela, sublinhando que vão ser quem um dia atenderá a saúde dos portugueses e lusodescendentes.
O projeto também serve para retribuir aos venezuelanos o acolhimento que deram aos antepassados portugueses, ajudando a levar cuidados de qualidade a uma população que está carenciada, que tem dificuldades para pagar a viagem de autocarro até ao hospital e que não deve ser discriminada pela sua condição social, diz.
Lusa