“Os Estados democráticos têm de assumir isto como uma questão geoestratégica e de soberania da maior importância”, afirmou, em entrevista à Lusa, o professor do Departamento de Informática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Em causa está o facto de as bases de dados estarem nas mãos de “duas ou três grandes empresas”, sem acesso público ou fiscalização externa, que podem condicionar todo o funcionamento das organizações e dos cidadãos.
“Nós estamos aqui a assistir a um efeito reverso àquilo que procurámos com a Internet”, que é global e não permite a um utilizador condicionar o acesso dos outros, numa “lógica completamente descentralizada”.
Ora, no caso da IA, “estamos a fazer ao contrário, estamos a afunilar para duas ou três entidades que vão estar a receber as comunicações, a conversa em linguagem natural de toda a gente do mundo inteiro e a devolver processado” sob a forma de aplicações úteis que habituam as pessoas ao seu uso.
Porque, “quando nós, seres humanos, nos habituamos a certo nível de intermediação tecnológica, já não somos capazes de regressar ao nível anterior”, disse.
“Isto é aterrador em termos de soberania, é aterrador”, salientou António Branco.
Por um lado, basta haver “um problema técnico” num destes fornecedores e “nós ficamos sem conseguir falar uns com os outros”, porque “os dados estão todos a passar por lá de todas as nossas conversas importantes ou não importantes, ideológicas ou não ideológicas, confessionais ou não confessionais”.
As grandes empresas tecnológicas “estão a ficar com a cópia dos nossos dados lá e com isso nós estamos dependentes desse serviço”, que “pode ser cortado a qualquer momento”.
Isso já acontece hoje. “Basta pensar que temos uma nação em risco existencial, que é Ucrânia”, cujo “esforço de guerra depende de um sistema de satélites que são ligados ou desligados pela decisão de uma pessoa consoante essa pessoa acha que a frente de batalha está a ir na direção certa ou na direção errada”.
“Se a geopolítica se rearranja”, os “acessos podem ser condicionados”. Se “a gente fica num lado do tabuleiro que é diferente do lado do tabuleiro deles, eles dizem ‘corta aí’ e ficamos completamente às escuras para falar uns com os outros para comunicar com os outros”, explicou.
Hoje “temos aqui um risco de subtração de soberania a não muito longo prazo”, salientou António Branco, que defende o aparecimento de mais ferramentas de IA, com bases de dados diversas.
O Estado português tem dois serviços de Chat com base na IA, um sobre divórcio e outro sobre a chave móvel digital, que são fornecidos pela OpenAI.
“Ninguém sabe” que dados são retirados pela OpenAI e é por isso que a “administração pública portuguesa está à procura de condições para se libertar desta dependência de um único fornecedor, mas isto tem custos”, avisou.
“Democratizar o uso e o acesso é o antídoto” e “quanto mais entidades oferecerem estes serviços, menos a gente vai fazer passar os nossos dados só” pelas grandes tecnológicas.
Além disso, cada país deve manter nas suas fronteiras a informação de que necessita. “Isto é uma questão da maior relevância para os Estados democráticos”, salientou o investigador, que deu alguns exemplos.
“Os próprios Estados Unidos estão a investir, do ponto de vista do dinheiro público, dezenas de milhares de milhões de dólares, apesar de as ‘big techs’ estarem lá sediadas”, disse António Branco, que destacou também o Reino Unido nesse esforço nacional.
As grandes empresas que gerem modelos de linguagem generativa, a Google ou a OpenAI, são “opacas” e “não se sabe que tipo de informação gerem”, mas esse problema torna-se ainda mais grave em Estados não-democráticos.
“São três mundos diferentes: há nós aqui, no ocidente, há a China e há a Rússia”, recordou.
Lusa