Em entrevista à agência Lusa, o geógrafo, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, frisou que o teletrabalho abrange apenas uma franja da população portuguesa e que eventuais mudanças de residência para espaços fora dos grandes aglomerados urbanos, impulsionadas pela pandemia de Covid-19, dependerão sempre de quem as pode pagar.
“Há municípios que estão a perder população desde o final da II Guerra Mundial. Não estou a ver que recuperem, porque durante séculos viviam de uma agricultura paupérrima e de condições sociais péssimas, de saúde, qualidade de vida, de tudo”, afirmou.
Os municípios do Douro estão entre os que perdem população desde os anos 50 e “continuam a perder”, apesar de nunca ter se ter produzido tanto vinho na região como agora, notou: “Deixou de ser verdade aquela coisa que se dizia ´se houver crescimento económico, se houver investimento, haverá atração populacional porque haverá emprego´”.
De acordo com o geógrafo, as empresas da região são hoje “altamente tecnológicas” e recorrem a multinacionais para trabalho sazonal de contratação externa (Nepal, Índia, Bangladesh).
Além do mais, quando se trata de aferir tendências, é preciso ter em conta que a sociedade é muito heterogénea, vincou: “Aquilo que pode ser verdade para um determinado grupo social, pode ser irrelevante, ou o contrário, para outro”.
Viver no campo ou em áreas de fraca densidade populacional dependerá também de condicionantes como a escola dos filhos, infraestruturas, incluindo a rede tecnológica, e o acesso a serviços, muitos deles encerrados ou diminuídos, particularmente durante o período de intervenção da ‘troika’ em Portugal.
“Naqueles quase dois terços do território onde a população está muito envelhecida, depois de mais de um século de emigração, há muitas terras esvaziadas, há muitos lugares onde moram duas ou três famílias. Por muito confinamento que haja, aí é mais fácil sair à rua, porque não encontramos ninguém”, reconheceu.
Se já no século XIX os portugueses iam “massivamente para o Brasil”, depois da II Guerra foram “para todo o lado”, recordou. “Acho que há portugueses em todo o lado do planeta, desde a Austrália ao Norte do Canadá. Até desconfio que há mais portugueses fora de Portugal do que dentro!”, estimou Álvaro Domingues, especialista em geografia humana.
“A sociedade portuguesa, apesar de tudo, tem um nível de rendimentos baixíssimo, tem uma distribuição de riqueza muito injusta, tem uma percentagem de pessoas que, em média, ganha o salário mínimo que é altíssima”, advertiu.
“Como sempre, há mudança para quem a pode pagar, quem tem possibilidade de escolher, porque a maior parte não escolhe”, observou quando questionado sobre a procura de um novo estilo de vida, na sequência da pandemia.
Álvaro Domingues frisou que o território é uma construção social, “muda a sociedade mudará o território”.
“Se a mudança social for expressiva, por exemplo de procura de alternativas de residência que não são as habituais…, mas não tenho notícia disso. Estatisticamente, mesmo aqueles municípios que dizem que tiveram alguma recuperação de população ou de procura de alojamento, estão a falar de pequenos números”, assegurou.
“Só que como a situação tem sido de décadas de esvaziamento, de repente, uma estagnação parece um sinal positivo e dá-se muito valor a isso”, considerou.
Para Álvaro Domingues, Portugal padece de uma tradição de políticas “muito centralizadas” desde D. Afonso Henriques e durante “a época dura da ‘troika’” foram tomadas decisões “desastrosas” a nível setorial, que deixaram o mapa “ainda pior”.