"Mas que se não transforme o que liberta, e toda a revisitação, por mais serena liberta ou deve libertar, em mera prisão de sentimentos, úteis para campanhas de certos instantes, mas não úteis para a compreensão do passado, a pensar no presente e no futuro", acrescentou.
O chefe de Estado referiu que os que fizeram o 25 de Abril de 1974 "souberam superar muitas das suas divisões durante a revolução e depois dela" e que "nações irmãs na língua" de Portugal "têm sabido julgar um percurso comum olhando para o futuro, ultrapassando séculos de dominação política, económica, social, cultural e humana".
"Que os anos que faltam até ao meio século do 25 de Abril sirvam a todos nós para trilharmos um tal caminho, como a maioria dos portugueses o tem feito nas décadas volvidas, fazendo de cada dia um passo mais as glórias que nos honram e os fracassos pelos quais nos responsabilizamos, e bem assim no construir hoje coesões e inclusões e no combater hoje intolerâncias pessoais ou sociais", apelou.
O Presidente da República salientou que quem faz este apelo "é o filho de um governante na ditadura e no império que viveu na que apelida de sua segunda pátria [Moçambique] o ocaso tardio inexorável desse império, e viveu depois, como constituinte, o arranque de um novo tempo democrático, charneira, como tantos portugueses, entre duas histórias da mesma História".
"E nem por exercer a missão que exerce olvida ou apaga a História que testemunhou, como nem por ter testemunhado essa História deixou de ser eleito e reeleito pelos portugueses em democracia – democracia que ajudou a consagrar na Constituição que há 45 anos nos rege", realçou.
Marcelo Rebelo de Sousa disse esperar "que o 25 de Abril viva sempre como gesto libertador e refundador da História" e se faça do passado "lição de presente e futuro, sem álibis nem omissões, mas sem apoucamentos injustificados, querendo muito mais e muito melhor".
"Não há, como nunca houve, um Portugal perfeito, como não há, nunca houve, um Portugal condenado. Houve, há e haverá sempre um só Portugal, um Portugal que amamos e de que nos orgulhamos, para além dos seus claros e escuros, também porque é nosso, porque nós somos esse Portugal. Viva o 25 de Abril, viva Portugal", concluiu.
Na primeira parte do seu discurso, que no total durou cerca de vinte minutos, o Presidente da República falou sobre a complexidade e dificuldade em julgar o passado e aconselhou que esse processo de "revisitar a História" se faça com "algumas precauções".
"A cada passo pode ressurgir a tentação de converter esse repensar do passado em argumento de mera movimentação tática ou estratégica", advertiu, rejeitando "o que pode agitar o confronto político conjuntural, mas não corresponde ao que é prioritário para os portugueses".
No seu entender, "há no olhar de hoje uma densidade personalista, isto é, de respeito da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos, na condenação da escravatura e do esclavagismo, na recusa do racismo e das demais xenofobias, que se foi apurando e enriquecendo, representando um avanço cultural e civilizacional irreversível".
"O olhar de hoje não era as mais das vezes o olhar desses outros tempos, o que obriga a uma missão ingrata de julgar o passado com os olhos de hoje", considerou.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, deve por isso evitar-se passar "de um culto acrítico triunfalista exclusivamente glorioso da nossa História, para uma demolição global e igualmente acrítica de toda ela, mesmo a que a vários títulos é sublinhada noutras latitudes e longitudes".
Por outro lado, deve-se aprender a olhar o passado colonial com "os olhos dos antigos colonizados", procurando compreender como foram "vendo e julgando e sofrendo".
"Estas reflexões são atuais porque nada como o 25 de Abril para repensar o nosso passado quando o nosso presente ainda é tão duro e o nosso futuro é tão urgente", defendeu.