Ouvido hoje no âmbito do caso EDP, cujo julgamento prossegue no Campus de Justiça, em Lisboa, o psiquiatra do Instituto Nacional de Medicina Legal e professor da Universidade de Coimbra Joaquim Soares Cerejeira referiu que Ricardo Salgado respondeu por diversas vezes “não sei” ou “não me lembro” a várias questões colocadas no âmbito dos testes periciais a que foi submetido, o que é uma “resposta atípica em doentes de Alzheimer”.
“O doente de Alzheimer esforça-se por responder e muitas vezes responde de forma errada. Esse é que é o padrão”, disse o perito, insistindo que um “esforço baixo” para responder às questões não é o padrão da doença, nomeadamente em questões de âmbito familiar, como as colocadas em relação aos filhos.
Os resultados neste teste foram usados pelos peritos para alegar uma eventual tentativa de exacerbamento de sintomas por parte de Ricardo Salgado, algo que o advogado de defesa do antigo banqueiro, Francisco Proença de Carvalho, procurou rebater, questionando o perito sobre outros fatores que possam explicar esse comportamento, tendo o psiquiatra concordado que flutuações cognitivas ou um maior nível de cansaço de Salgado naquele dia podiam ter influência nas respostas dadas.
Para além de sublinhar que o comportamento de Salgado pode ser explicado por “várias hipóteses”, Proença de Carvalho argumentou também que as conclusões do relatório desvalorizam outro teste realizado, cujos resultados contestam a ideia de baixo esforço do doente em exame.
“Curiosamente eu não consigo perceber é como é que só se fez referência a um teste nas conclusões do relatório e não se fez referência a outro teste que demonstra precisamente o contrário. Isso é que não consigo compreender”, disse o advogado aos jornalistas, à saída da sessão de hoje.
Francisco Proença de Carvalho questionou ainda a parte da perícia realizada por uma psicóloga, e não por alguém especializado em neuropsicologia, como a doença imporia, argumentou, referindo que “é uma especialidade muito específica”.
Quer Joaquim Soares Cerejeira, quer a neurologista Maria Isabel Santana, defenderam as conclusões do relatório que apontam para que Ricardo Salgado tem condições para prestar declarações em tribunal, ainda que não possam garantir o rigor das respostas.
A defesa questionou “que consistência se pode retirar” das respostas de uma pessoa com doença de Alzheimer, incapaz de responder com correção a perguntas básicas como a sua idade, o dia, o mês e o ano em que está ou quem é o primeiro-ministro, tendo Maria Isabel Santana sublinhado que há uma diferença entre memórias mais recentes e memórias mais antigas, podendo ser do interesse do tribunal interrogar e ouvir as respostas sobre factos mais antigos.
Joaquim Soares Cerejeira, quando questionado sobre a capacidade de Salgado responder a questões complexas como as associadas à acusação, disse que a complexidade das perguntas deve ser adaptada à situação do interrogado, podendo ser necessário no caso de Ricardo Salgado decompor uma pergunta complexa em várias questões mais simples para permitir a resposta, e dar-lhe mais tempo do que o habitual para responder.
O psiquiatra referiu que os testes periciais apuraram que Salgado “não tem défices muito graves” na função cognitiva, sendo capaz de compreender perguntas complexas, sendo mais notória a dificuldade ao nível da memória, sobretudo a mais recente, tendo a defesa voltado a invocar a capacidade de Salgado de responder a perguntas simples como a sua idade.
“O que se percebeu é que, obviamente, num contexto de complexidade, esta pessoa, com esta doença, infelizmente, não tem a capacidade para responder às perguntas e para dar respostas com o mínimo de consistência. Portanto, na defesa da dignidade dele, que é o que vamos fazer sempre, (…) a defesa tem que o proteger de um interrogatório desse género”, disse o advogado aos jornalistas, referindo que os advogados não podem permitir que um cliente seu seja submetido “a um circo, a um vexame”.
Ricardo Salgado, ex-presidente do Grupo Espírito Santo, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais.
Lusa