Resultado do projeto “Profmus”, do Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música, da Universidade Nova de Lisboa, que associou ainda 23 investigadores e bolseiros do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC) e do Instituto Superior Técnico, a base de dados sobre estes 12.000 músicos será apresentada na Casa Verdades de Faria-Museu da Música Portuguesa, a partir das 16h00 de sábado, a par do anúncio de dois livros, publicados no contexto da investigação.
Esta centrou-se em associações de músicos como Irmandade de Santa Cecília, Montepio Filarmónico, Associação de Música 24 de Junho, Sindicato Nacional de Músicos e Sindicato de Músicos, disse à agência Lusa o investigador Tiago Manuel da Hora, que participou no projeto.
Estão “abrangidos músicos de todas as áreas, mas a recolha teve como enfoque músicos que se encontravam inscritos nas associações oficializadas de músicos profissionais. É muita gente, mas mesmo assim não é toda a gente”, disse Tiago Manuel da Hora, referindo que a base de dados inclui músicos menores de idade, pois até à década de 1980, para se exercer a atividade de músico, mesmo em bares noturnos ou romarias, tinha de se estar registado numa associação de classe.
“A entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia [em 1985] vai fazer com que esta situação esmoreça”, referiu.
Estas associações, “desde finais do século XVIII, até, pelo menos ao final do Estado Novo [em 1974], têm uma ação protecionista, como foi possível verificar pelos investigadores. Esse caráter mais protetor das associações, em alguns momentos [demonstra-se] até mais monopolístico, pois às vezes as associações estão articuladas entre elas, associadas ao mesmo conjunto de músicos e diretores, como uma forma de controlo e de exercer poder também”.
Há casos de “músicos filiados nessas associações que procuram novos modelos e fugir a este caráter mais protecionista da classe; vê-se até, uma concorrência dentro das próprias associações, o que vai deixar de acontecer com o regime democrático [após o 25 de Abril de 1974], pois na década de 1980 deixa de ser obrigatória a carteira profissional, documento [antes indispensável] para o músico exercer a sua atividade”.
Estas associações “tinham um caráter muito vigilante”, disse o investigador à agência Lusa, citando a Associação de Professores de Música de Lisboa, criada em 1893, mas com antecedentes anteriores.
Esta foi a primeira associação da classe, no âmbito dos músicos profissionais. Os seu sócios tinham de trabalhar quase em exclusividade para a associação, que detinha uma orquestra, e, por qualquer serviço por fora, era dada uma comissão a esta associação”.
A pesquisa mostrou tratar-se de uma situação comum a outras organizações congéneres.
Tiago da Hora referiu à Lusa que muitas vezes os músicos organizavam eles próprios orquestras para os teatros, que iriam contratar as associações. "Há assim uma espécie de concorrência às associações que é feita pelos próprios músicos”, o que vai deixar de acontecer com o surgimento do Sindicato Nacional dos Músicos, em 1933.
"No século XIX há muitas tensões, há até músicos que tentam criar outras associações”, referiu.
A base de dados em formato ‘Wikidata’ vai estar disponível ‘online’, ao público, e será “a primeira base em Portugal", desta tipologia, sobre músicos profissionais.
"Este formato permite uma grande interligação com outras plataformas, nomeadamente no domínio da música, e a possibilidade de poder ser complementada”, garantiu Tiago Manuel da Hora.
Esta investigação, garantiu, dá uma visão “de uma camada que até agora tinha sido muito pouco estudada”, e vai permitir "um maior conhecimento do fazer música em Portugal”.
No sábado também, no âmbito da apresentação desta investigação, vão ser igualmente anunciados dois livros a publicar, em data a definir: “Fin Qui Ho Parlato: a condição profissional dos músicos na Lisboa oitocentista e outros ensaios", de Francesco Esposito (1964-2020), “um dos principais mentores deste projeto”, e “A Música como Profissão: percursos, estatuto e associativismo musical em Portugal (1750-1985)”, com prefácio de Rui Vieira Nery, numa edição de Cristina Fernandes, Manuel Deniz Silva e Tiago Manuel da Hora.
Sobre ”A Música como Profissão”, Tiago da Hora disse que a primeira parte é dedicada à história do associativismo em Portugal e, a segunda, inclui diferentes artigos de vários investigadores que se articulam com questões de trabalho, estatuto dos músicos, relação entre os músicos portugueses e os estrangeiros, famílias de músicos, estudos de género e outros estudos de caso. E deu como exemplo, "um artigo de Vieira Nery sobre a profissionalização no fado e as repercussões que isso teve no género e a forma como os fadistas, enquanto profissionais, intervieram”.