Na sessão de encerramento do Festival Literário da Madeira, subordinada ao tema “o jornalismo é literatura com pressa”, o autor espanhol Javier Cercas, falando da diferença entre jornalismo e ficção, afirmou que “a verdade do jornalismo e da literatura são distintas, uma é factual e histórica”, a outra (a literatura) é “moral, abstrata e universal”.
O escritor destacou o poder “extraordinário” dos meios da comunicação social, que “não só refletem a realidade, mas criam-na, o que significa que os jornalistas têm hoje mais responsabilidade que nunca”.
“O que não aparece nos meios de comunicação não existe. Essa omnipotência dos meios de comunicação tem coisas boas, mas também perigosas, como a difusão rápida das mentiras”, acrescentou.
Por isso mesmo, salientou aquela que considera ser uma “função fundamental do jornalismo: não basta contar a verdade, há que desvendar mentiras, e as piores mentiras não são as puras, são as mentiras mescladas com a verdade, com sabor de verdade”.
O escritor peruano Daniel Alarcón, que é também jornalista e professor de jornalismo, concordou e salientou que “a mentira vende-se e difunde-se mais rápido”, razão por que sente “mais vontade de contar verdades e de desvendar mentiras”.
“Como professor e profissional, dá-me esperança, poder fiscalizar os poderosos”. afirmou.
Javier Cercas pegou na ultima frase de Daniel Alarcón, para lhe acrescentar que “graças ao poder dos meios de comunicação” que a realidade está a ser cada vez mais fiscalizada.
O problema do jornalismo, na opinião de Cercas, é que se vive a ilusão de que o presente é só agora, porque “para os meios de comunicação, o que aconteceu na semana passada é pré-história, portanto para muitos o passado é algo dos arquivos e bibliotecas e não interessa a ninguém exceto a alguns”.
“Isto é falsificação da realidade, porque o passado, sobretudo o que tem testemunhos e memória, não se passou, é uma dimensão do presente, sem a qual o presente está mutilado”, defendeu o autor de “O impostor”, citando de seguida o escritor norte-americano William Faulkner, que disse que “o passado nunca está morto, nem sequer é passado”.
Daniel Alarcón corroborou e acrescentou ainda que a alguns políticos interessa uma versão do passado agarrada aos seus próprios interesses.
Antes de passar especificamente para o tema do poder do jornalismo, o debate, moderado pela jornalista Maria João Costa, começou com a comparação entre jornalismo e literatura, na frase do poeta e crítico britânico Matthew Arnold, segundo a qual “jornalismo é literatura com pressa”.
Javier Cercas disse não concordar com essa frase, por um lado porque não escreve com pressa, por outro porque não se considera verdadeiramente um jornalista e, finalmente, porque considera “mais importante escrever a verdade, do que ser o primeiro a dar a notícia”, esta última afirmação, numa critica a algumas noticias que são dadas sem a devida confirmação ou contraditório.
“Sinto-me um pouco impostor ou fora do sitio, porque não sou jornalista. Nunca estive numa redação de jornal e não sei o que é jornalismo”, disse, contando que quando as pessoas leem os seus livros frequentemente o abordam para lhe dizer que escreveu crónicas, ou que escreveu um livro de história, ou que escreveu um livro de ficção filosófica”, disse, para acrescentar que considera que os livros que escreve usa todos os géneros literários.
De acordo com o escritor espanhol, Daniel Alarcón disse que aquela frase lhe era “muito estranha”, porque trata os seus textos jornalísticos e as suas crónicas como literatura.
“Não distingo, para mim estou sempre a contar histórias”, acrescentou.
LUSA