Para Nina Lanza, provar a hipótese de Marte ter albergado vida, mesmo que microscópica, é o propósito principal de um trabalho que começou há mais de 20 anos, quando viu as primeiras imagens enviadas do planeta pela sonda Pathfinder.
“Ao longo da História, os humanos pensaram que eram especiais e têm vindo a perceber que afinal não são. Esse é um tema recorrente da investigação científica. Pensávamos realmente que estávamos no centro do Universo, mas não estamos. Nem estamos perto. Talvez a vida que pulula na Terra seja única, mas dada a vastidão do Universo e a forma como a química da vida parece ser comum, talvez não devamos pensar que somos assim tão especiais”, argumenta.
Nina Lanza é uma das cientistas responsáveis pelo programa de investigação Spacecam, um dos equipamentos que a NASA lançou rumo a Marte e que pousou no planeta em fevereiro, montado na sonda Perseverance, que vai dedicar-se nos próximos anos a investigar uma cratera chamada Jezero.
Um dos objetivos é recolher naquele local, que se pensa ser o delta de um rio que terá em tempos corrido no planeta, amostras de rochas onde podem subsistir vestígios químicos ou até fósseis de formas de vida.
“Se não encontrarmos em Marte a ciência da vida… isso seria uma coisa mais difícil, porque não quer dizer que não esteja lá. Até na Terra é difícil de encontrar, mesmo com geólogos a fazer trabalho de campo durante anos”, quanto mais numa missão limitada a uma cratera com cerca de 50 quilómetros de diâmetro.
Nina Lanza refere que se as missões de investigação científica em Marte não conseguirem encontrar provas de vida, isso não permitirá tirar grandes conclusões sobre o resto do Universo: “só dirá que continua a ser provável que exista vida em todo o lado e que temos que encontrar maneiras melhores de a descobrir”.
No que respeita ao veículo Perseverance, o trabalho em que Nina Lanza está envolvida consiste em procurar sinais “químicos, mineralógicos, morfológicos e fósseis”, entre outras técnicas.
“Na Terra, as melhores provas da existência de vida antiga são mais químicas do que outra coisa. Podemos aplicar esse conhecimento às rochas de Marte”, descreve.
A médio prazo, a fase mais importante do trabalho geológico do Perseverance será obter uma coleção de amostras de rocha e, numa missão posterior, recolhê-las e enviá-las de volta para Terra, algo inédito, que só deverá acontecer entre 2028 e 2031.
Mas até lá, “ninguém ficará de braços cruzados”, garante, indicando que apesar de o público em geral só se aperceber dos feitos mais espetaculares da investigação planetária, os cientistas têm informação privilegiada constante: “todos os dias há alguma coisa excitante, sempre que ligo o computador posso ver algo que nunca alguém viu”.
“Estudamos materiais com as ferramentas que temos em Marte. Tentamos analisar e interpretar, estamos a tentar construir a história do que foi este lago, durante quanto tempo existiu, que materiais contem, quais as assinaturas moleculares que sugerem que ali existiu vida”, descreve.
O principal instrumento do Perseverance em que Nina Lanza e a sua equipa estão envolvidos é a Spacecam, uma câmara que dispara feixes laser em torno da sonda para tirar conclusões sobre o que está à sua volta.
A técnica, uma forma de espectroscopia, permite ler a luz emitida pelas rochas quando são atingidas pelo laser e tirar conclusões sobre a sua composição química.
Na mira de Nina Lanza estão especialmente concentrações altas de manganés, um elemento químico que, na Terra, é comprovadamente um vestígio da atividade de micróbios, especialmente em bacias sedimentares como o delta do rio que se crê ter corrido na cratera Jezero.
O microfone que equipa a Spacecam também capta os diferentes sons que os materiais fazem ao serem atingidos pelo laser, bem como o vento marciano, remoinhos e outros fenómenos que ajudam a compreender melhor a atmosfera marciana.
Esse conhecimento, salienta, será fundamental para uma futura missão tripulada a Marte, porque permitirá, de antemão, “conhecer os riscos, minimizá-los e limitar as surpresas desagradáveis”.
“Com dinheiro, tudo é possível. Mas ir a Marte com humanos coloca desafios específicos que nunca encontrámos. Até a Lua era um ambiente menos inóspito. Fica-se fora da proteção de um campo magnético, que Marte não tem e a radiação de superfície é muito forte”, relata.
A primeira missão tripulada a Marte não será de longa duração, prevê Nina Lanza, indicando que deverá servir para “montar algumas infraestruturas, recolher amostras e regressar”.
Os locais onde a NASA colocou sondas, Jezero e a cratera Gale, onde ainda trabalha a sonda Curiosity, poderão ser locais de aterragem de missões tripuladas, pelo que é útil conhecer o terreno: “Conhecemos tão bem a cratera Gale que, se eu lá fosse, poderia fazer uma visita guiada por todos os seus 25 quilómetros de diâmetro”.
Nina Lanza afirma que ir a Marte não é simplesmente um jogo para ver quem consegue lá colocar a sua bandeira primeiro.
“Isso foi mais ou menos o que aconteceu com a Lua. Mas desde que tenhamos a NASA, a Agência Espacial Europeia, o nosso objetivo será a ciência. Sempre foi e sempre será”, considera.
A cientista, que estará em julho na Cimeira dos Exploradores, que se realiza entre Lisboa e os Açores, projeta um cenário de Marte como uma espécie de Antártida, em torno da qual existe um tratado internacional que a protege de ser explorada “para ganhos económicos ou militares", ficando destinada apenas à exploração científica.
“Marte é um ambiente hostil. As pessoas terão que se entender. Não há lugar para ‘lobos solitários’ num modelo de exploração marciana, que poderá ser como acontece na Antártida, onde o objetivo principal não seja a exploração de recursos, mas a compreensão do planeta”, afirma.
Apesar de admitir que “é um cenário de futuro distante”, Nina Lanza salienta que “não é matéria de ficção científica, está mais perto do que se possa imaginar”, lembrando que há cerca de duas semanas, a sonda chinesa Zhurong também aterrou com sucesso na superfície do planeta.