Na abertura do debate geral, na 75.ª sessão da Assembleia Geral, António Guterres avisou que “estamos a mover-nos numa direção muito perigosa” de divisão das forças globais numa altura em que a união é indispensável.
O líder da ONU pediu que se evite “a todo o custo” um futuro “em que as duas maiores economias dividam o globo numa Grande Fratura – cada uma com as suas próprias regras comerciais e financeiras e capacidades de Internet e inteligência artificial”.
“Uma divisão tecnológica e económica corre o risco de se transformar inevitavelmente numa divisão geoestratégica e militar”, alertou o secretário-geral na Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, no primeiro dia do debate geral deste ano.
Durante uma semana, 193 países, incluindo EUA e China, vão expressar-se durante a Assembleia Geral, que decorre com a presença limitada de representantes na sede da ONU e com discursos pré-gravados em vídeo devido à pandemia.
Sobre o cessar-fogo global, Guterres disse que o apelo original “foi endossado por 180 Estados-membros, juntamente com líderes religiosos, parceiros regionais, redes da sociedade civil e outros”, acrescentando que os grandes obstáculos são a “desconfiança profunda e o peso da luta que se agravou durante anos”.
“Agora é a hora de um novo impulso coletivo para a paz e a reconciliação. Apelo a um esforço internacional intensificado – liderado pelo Conselho de Segurança – para alcançar um cessar-fogo global até o final deste ano”, declarou.
Como factos motivadores nos conflitos do mundo, Guterres elogiou o Acordo de Paz entre o Governo do Sudão e movimentos armados, o início das Negociações de Paz no Afeganistão.
“Na Síria, o cessar-fogo em Idlib está praticamente intacto. Depois de mais de nove anos de conflito e sofrimento colossal, renovo o meu apelo pelo fim das hostilidades em todo o país”, disse o secretário-geral da ONU.
António Guterres lembrou também que o acordo de paz na República Centro-Africana ajudou a “reduzir significativamente a violência” e sublinhou a necessidade de continuação de diálogo nacional e dos trabalhos para a realização de eleições livres e justas.
“No Iémen, estamos totalmente empenhados em reunir as partes para chegar a um acordo sobre a Declaração Conjunta, que compreende um cessar-fogo em todo o país, medidas de construção de confiança económica e humanitária e a retomada do processo político”, declarou o chefe da ONU.
“Estou particularmente preocupado com o fato de que grupos terroristas e extremistas violentos explorem a pandemia”, disse o antigo primeiro-ministro português, dando o exemplo da região do Sahel e Lago Chade, em África.
Em relação à doença Covid-19, que já provocou pelo menos 965.760 mortos e mais de 31,3 milhões de casos de infeção em 196 países e territórios, António Guterres disse que a pandemia “não é apenas um alerta, é um ensaio geral para o mundo dos desafios que estão por vir”.
Na visão do secretário-geral, trata-se “simultaneamente uma crise de saúde histórica, a maior calamidade económica e perda de empregos desde a Grande Depressão e novas ameaças perigosas aos direitos humanos”.
Para o também antigo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (2005/15), a ONU enfrenta atualmente “um momento fundamental”, que se assemelha ao da fundação da organização, em 1945, e que necessita de multilateralismo.
“Aqueles que construíram as Nações Unidas há 75 anos passaram por uma pandemia, uma depressão global, genocídio e guerra mundial. (…) Eles sabiam o custo da discórdia e o valor da unidade”, disse António Guterres.
O português pediu união, solidariedade, humildade e usar o conhecimento da ciência. “Num mundo interconectado, é hora de reconhecer uma verdade simples: solidariedade é interesse próprio”.
Ainda assim, a ONU e a Organização Mundial de Saúde puseram em prática níveis de ajuda elevados, disse Guterres: “Estendemos a assistência que salva vidas aos países e pessoas mais vulneráveis – incluindo refugiados e deslocados internos – por meio de um Plano de Resposta Humanitária Global”.
Guterres criticou os países que tentam desenvolver vacinas para as próprias populações: “esse ‘vacinacionalismo’ não é apenas injusto, é autodestrutivo”.
O secretário-geral anunciou um encontro sobre financiamento para o desenvolvimento na era da Covid-19, na próxima semana.
“E em tudo o que fazemos, colocamos um foco especial nas mulheres e meninas. (…) A menos que ajamos agora, a igualdade de género pode ser atrasada em décadas”, disse.
Para o secretário-geral da ONU, várias partes do mundo estão numa “guerra oculta contra as mulheres”, com falta de proteção, segurança social e com perigos de violência e violações.