Em declarações aos jornalistas à margem da conferência “Construção da Democracia e Justiça Constitucional”, na Academia de Ciências de Lisboa, Amadeu Guerra afirmou não conhecer ainda a indiciação que levou à constituição como arguido do agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) que baleou o cidadão de 43 anos após uma perseguição policial desde o bairro do Zambujal (Alfragide) até à Cova da Moura.
“Isso vai ser apurado no inquérito, não me quero adiantar mais nessa situação. O Ministério Público é que vai ter de verificar se havia arma ou não havia arma”, respondeu o PGR, ao ser questionado sobre se Odair Moniz tinha uma arma branca no momento em que o polícia acaba por efetuar os disparos.
Questionado sobre as condições em torno de uma eventual atuação da PSP em legítima defesa, Amadeu Guerra referiu que a “autodefesa depende das circunstâncias” e que é necessário “verificar os princípios” dessa conduta: “Tem de ser apurado no inquérito. Não sou eu que vos vou dizer as circunstâncias, isso só em concreto e mesmo por vezes há muita dificuldade em apurar”.
Amadeu Guerra condenou os tumultos registados nas últimas duas noites em diversas zonas da Área Metropolitana de Lisboa e manifestou temor de que os desacatos possam continuar a alastrar.
“Temo que isso aconteça [alastrar de desacatos]. Condeno este tipo de tumultos, mas também temos de reconhecer que não é só em Portugal que isto acontece”, lembrou.
Frisou também que o MP aguarda as participações criminais da PSP, das pessoas lesadas e das autarquias relativamente aos danos provocados em viaturas, autocarros e mobiliário urbano para abrir inquéritos.
O procurador-geral da República prometeu que o MP vai ser “o mais célere possível” no inquérito, mas ressalvou que isso também vai depender da rapidez da investigação da Polícia Judiciária (PJ) – o órgão de polícia criminal designado para essa missão -, além da realização das perícias, assumindo a expectativa de que a PJ “esteja mais evoluída” em relação ao tempo em que foi diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), entre 2013 e 2019.
“Sei que a PJ hoje tem meios diferentes do que tinha quando eu terminei as minhas funções no DCIAP. Espero que as dificuldades sejam menores. (…) Vi na comunicação social que há imagens, portanto, todos os meios de prova são úteis para o Ministério Público perceber e decidir a sua posição. Quando fazemos um inquérito abordamos todas as provas possíveis”, afirmou, elencando entre estas a recolha de depoimentos de testemunhas e das perícias a veículos.
Odair Moniz, de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, na Amadora, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, no Bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
Segundo a PSP, o homem pôs-se “em fuga” de carro depois de ver uma viatura policial e “entrou em despiste” na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”.
A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação “séria a isenta” para apurar “todas as responsabilidades”, considerando que está em causa “uma cultura de impunidade” nas polícias.
A Inspeção-Geral da Administração Interna abriu um inquérito urgente e também a PSP anunciou um inquérito interno, enquanto o agente que baleou o homem foi constituído arguido.
Desde a noite de segunda-feira registaram-se desacatos no Zambujal e, desde terça-feira, noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados autocarros, automóveis e caixotes do lixo. Mais de uma dezena de pessoas foram detidas, o motorista de um autocarro sofreu queimaduras graves e dois polícias receberam tratamento hospitalar, havendo ainda alguns cidadãos feridos sem gravidade.
Lusa