“É um problema real a ideia de que a liberdade e o pluralismo são irreversíveis e que a democracia é irreversível, é uma ideia ilusória e que pode ser perigosa. É uma construção de todos os dias, mesmo onde pensamos que está adquirida, não está adquirida”, afirmou o chefe de Estado.
Marcelo Rebelo de Sousa discursava no encerramento da Conferência Book 2.0 “The Future of Reading”, promovida pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).
Numa intervenção de cerca de 30 minutos, o Presidente da República afirmou que “os livros exprimem, e exprimiram sempre, até no tempo da inquisição e de outras inquisições, a diversidade das sociedades”.
“Nós somos diversos, e por isso é intolerável a intolerância, é intolerável a fobia em relação aquilo que não é o que nós pensamos ou que é mesmo aquilo que nós combatemos”, defendeu, notando que “por aí começam as sociedades a fechar-se, e quanto mais se fecham mais sob o peso daqueles que as querem fechá-las mesmo definitivamente”.
Falando numa “cultura dos ecrãs”, que já existe há “algumas décadas”, o chefe de Estado disse que, do que é conhecido até agora desta realidade, “sugere que a diversidade não pode ser apenas uma representatividade sociológica, mas um espaço de liberdade e de liberdade na divergência”.
“Espero e desejo que, no momento em que a cultura do livro e a cultura dos ecrãs convergem, esse alargamento de horizontes não traga consigo estreitamentos, rasuras, censuras, exclusões, cancelamentos. Porque há quem domina os meios digitais em termos tais que possa impor subtilmente novas inquisições ou novas intolerâncias”, alertou.
Marcelo apontou que, “com as extraordinárias possibilidades que se abriram, vieram algumas dinâmicas de fechamento”, o que apelidou de “intolerância dos tolerantes, como se a sensibilidade maioritária do momento presente fosse a única a gozar de liberdade de circulação”.
“Aquilo que em cada momento parece ser a última palavra em termos de corrente de pensamento pode não sê-lo, e não sê-lo para sempre, e temos de ter essa humildade perante o que na cultura dos ecrãs, até pela lógica dessa cultura, tende a transformar em homogéneo à força aquilo que é diverso, e tem de ser diverso e é fundamental que seja diverso”, defendeu.
O Presidente da República realçou que não se pode “abandonar essa que é uma das maiores riquezas culturais, políticas e civilizacionais, que é a diversidade que decorre da liberdade, que se quer a mais ampla possível, e do pluralismo que ela acarreta”.
Na sua intervenção na cerimónia que decorreu no antigo Picadeiro Real, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou preocupação com os "problemas, constrangimentos, as dificuldades que a edição, toda ela, a edição de jornais, de revistas, de livros, defronta neste momento", afirmando haver "constrangimentos económicos, financeiros, sociais que pesam na liberdade, na diversidade, pesam na autodeterminação de quem edita, de quem escreve e de quem publica”.
O chefe de Estado considerou que “não é positivo se é económico e financeiro, porque significa ficar nas mãos de muito poucos um poder, a vários títulos diferente, de condicionar a liberdade alheia, porque têm acesso a plataformas, porque têm o poder económico para a distribuição, porque têm possibilidades dificilmente reguladas ou reguláveis, apesar das regras que existem”.
“Isso é um problema sério para todos nós que vemos a liberdade, o pluralismo, a democracia como cada vez mais exigente, e mais necessário, e não como eventualmente mais condicionado”, defendeu.
E referiu que “isto aplica-se a correntes de opinião, aplica-se a pontos de vista de fechamento que nalgumas sociedades abertas surgem de quando em vez, e de forma crescente, a propósito de setores sociais que ficam para trás, a propósito da sensação de que as desigualdades são tão grandes, tão grandes, tão grandes, que geram uma contestação que acaba por pôr em causa a própria abertura da sociedade”.
“Uns chamam correntes inorgânicas, outras populistas, outras o que quer que seja, mas o seu apelo em momentos de crises consecutivas, económicas, financeiras e sociais, de guerras, que as há um pouco por todo o mundo, umas mais próximas, outras mais distantes, e de guerras de pensamento e de intolerâncias escondidas, isso é um problema que certamente preocupa quem edita livros mas quem quer a possibilidade constante de uma voz ativa na construção do futuro”, afirmou.
Quanto ao futuro do livro, Presidente da República afirmou que, apesar de a "cultura dos ecrãs" ter vindo “para ficar”, não significa “o fim do livro impresso”.
Lusa