"Não sei onde vou arranjar dinheiro, era para sair para o mar esta manhã, mas a Polícia Marítima que está ali em baixo no cais não deixa os barcos saírem", disse à agência Lusa o pescador José António Roque, de 60 anos.
Com os barcos multicolores varados na praia de calhau da baía de Câmara de Lobos, imortalizada pelos pincéis do ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill, aquando de umas férias na Madeira em 1950, José António Roque, pescador de atum e peixe-fino, desabafa dizendo não saber "onde é que isto vai parar".
Também Vítor Pereira, de 20 anos e pedreiro de profissão, morador no Edifício Cidade Nova, construído para albergar a então população do Ilhéu, que vivia em condições degradadas, olha para o complexo e diz sem hesitar: "é aqui que vai ser o foco desta pandemia na Madeira", ao aludir ao caso a partir do qual um jovem proveniente da região de Lisboa e Vale do Tejo contagiou outras 10 pessoas, encontrando-se a aguardar resultados laboratoriais outras 40.
"Foi tudo num almoço de Páscoa com a família, o rapaz não sabia que estava contaminado e contactou com meia centena de pessoas do prédio", acrescenta.
Vítor Pereira contou que ia reiniciar na segunda-feira o trabalho, na sequência da retoma de algumas atividades económicas determinadas pelo Conselho do Governo Regional.
"Mas, agora, não sei, com a cerca sanitária não sei se posso sair daqui porque as obras são fora do concelho", disse, apreensivo.
Já o pescador José Vieira, reformado e de 82 anos, é de opinião que tem que se "aguentar esta situação", manifestando não lhe meter medo.
"Medo de quê? pergunta, acrescentando, "andei no mar a vida inteira e não tive medo e não há nada mais perigoso que o mar".
À espera de ser atendida na farmácia local e cumprindo o distanciamento social, Cátia Rodrigues, de 36 anos, mostrou-se conformada referindo: "Temos de aguardar o tempo que for necessário. Isto é um por todos e todos por um".
"Eu só saio para ir à farmácia ou ao supermercado", observa.
Cercada por dois postos da PSP que fiscalizam quem entra e quem sai do perímetro do território da freguesia, Câmara de Lobos era hoje uma cidade com algumas filas, pequenas, de pessoas à porta da padaria, da farmácia e dos supermercados, respeitando o apelo da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, que aconselhou a população da freguesia a cumprir "escrupulosamente as medidas de contingência de circulação e a interdição de permanência na via pública".
O Governo da Madeira determinou o estabelecimento de uma cerca sanitária na freguesia de Câmara de Lobos, que começou hoje a partir das 00:00 horas e se prolonga por um período de 15 dias para combater a propagação da Covid-19, anunciou sábado o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque.
Segundo Albuquerque, a decisão foi tomada de acordo com a autoridade de saúde de Câmara de Lobos, com o parecer da Autoridade de Saúde Regional, a concordância do presidente da câmara e a anuência do representante da República.
A cerca sanitária apanhou desprevenida a população da freguesia de Câmara de Lobos cujo principal foco é o complexo habitacional da Cidade Nova, localizado no sítio da Fonte da Rocha, constituído por 156 apartamentos e inaugurado a 01 de maio de 2004 pelo ex-presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim.
De acordo com o boletim epidemiológico de sábado, a Região Autónoma da Madeira tem 64 casos positivos da Covid-19.
Em Portugal, morreram 714 pessoas das 20.206 registadas como infetadas.
C/Lusa