Numa entrevista à Lusa, no dia em que foi anunciada pela Associação ProPública a atribuição do prémio, a advogada, de 28 anos, afirmou que foi “com surpresa" que recebeu a notícia, sobretudo, quando, no ano passado, o vencedor foi Francisco Teixeira da Mota, um advogado "com uma carreira longuíssima na defesa dos direitos humanos e, muito em particular, da liberdade de expressão e dos jornalistas", da qual sente que "naturalmente" a sua está longe.
A advogada realçou que o prémio foi para si "um incentivo", para prosseguir a sua carreira assente na prática na litigância da justiça climática e dos direitos humanos.
O valor do prémio, de dez mil euros, dá-lhe a possibilidade de aceitar mais processos "pro bono", que sempre fez, embora não tantos como gostaria "por falta de disponibilidade financeira". "Permite-me ter mais espaço na agenda para trabalhar para pessoas que não me podem pagar", afirmou.
“Mas também para trabalhar para causas que considero estruturais na sociedade portuguesa e que sinto que posso ajudar e tenho competências técnicas para isso", acrescentou.
Para Leonor Caldeira, que no ano passado ganhou o processo contra o ex-candidato às presidenciais e líder do Chega, André Ventura, na defesa da família Coxi, do bairro da Jamaica, um dos seus processos mais mediáticos, os advogados que "trabalham em termos de direitos humanos e em prol de quem está em maior situação de vulnerabilidade social e económica são os mais mal remunerados".
"É verdade que temos [em Portugal] o apoio judiciário, mas este está em muito mau estado, muito maltratado, porque temos uma tabela de honorários que não é atualizada desde 2004", sublinhou.
Segundo a advogada, em Portugal “faltam algumas estruturas de advocacia da prática para o interesse público".
"Historicamente – como, aliás, o exemplo de Nelson Mandela demonstra, e em Portugal também temos outros exemplos, durante a ditadura – mostra como os advogados são instrumentos muito poderosos para a defesa dos direitos, das liberdades e das garantias", mas “faz muita falta uma prática de litigância estratégica e da prática do direito enquanto elemento transformador para o progresso social, económico, ecológico", defendeu.
Para a vencedora do Prémio Nelson Mandela deste ano, "o direito pode trazer esse progresso”.
A advogada referiu que trabalhar num escritório ensinou-lhe muito, mas continua a sentir que o seu lugar "é mais na prática do interesse público, seja climática, seja de direitos humanos", tendo o sonho de "criar uma estrutura de advocacia de interesse público”.
"Eu tenho mesmo esse sonho, mas não sei se será em breve que o vou concretizar, porque sinto que (…) preciso de mais experiência, porque é uma grande responsabilidade estar à frente de uma organização. [….] Mas será uma coisa que, quando me sentir madura e preparada, irei com certeza criar", disse à Lusa.
Leonor Caldeira disse que sempre sentiu o direito como uma “ferramenta muito poderosa", não só enquanto advogada, mas como cidadã comum e manifestou a sua atração “por processos judiciais que possam provocar progresso, tanto pelos direitos das mulheres como pelos direitos dos trabalhadores, o direito dos presidiários, pela ação climática".
Recordando que Portugal já foi condenado "sucessivamente no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pelas condições infra-humanas que dá aos seus reclusos", Leonor Caldeira concluiu que há vários problemas para combater no país, como o da desproteção a que as trabalhadoras independentes estão sujeitas, sobretudo na maternidade.