Na sessão de hoje do julgamento do processo Football Leaks, no Juízo Central Criminal de Lisboa, o criador da plataforma eletrónica visou diretamente o inspetor-chefe Rogério Bravo, cuja atuação neste caso já chegou a ser investigada, e alegou que a Doyen – que é assistente no processo – chegou a contratar pessoas para irem atrás dele na Hungria, onde residia na altura.
“Rogério Bravo fez um negócio com Nélio Lucas em novembro de 2015. Esse negócio pressupunha uma troca de informações: Nélio Lucas entregava o relatório da Marclay [empresa de cibersegurança contratada para investigar a intrusão informática] e a PJ entregava o nome do suspeito – o meu nome. E foi o que aconteceu. No dia 26 de novembro de 2015, a PJ entregou o meu nome a Nélio Lucas, colocando a minha vida em risco”, afirmou.
Segundo Rui Pinto, que está a prestar declarações ao coletivo de juízes pela terceira sessão consecutiva, a Doyen ainda hesitou em ceder essa informação às autoridades portuguesas, mas terá preferido obter a informação sobre a identidade do responsável pela intrusão informática.
“A Doyen Capital e a família Efendi, na altura, temiam danos reputacionais caso fosse divulgado publicamente que teriam sido alvo de um acesso ilegítimo. Pesaram os prós e contras e concordaram em entregar essa informação, porque era mais valioso o nome do suspeito. Contrataram pessoas na Hungria para chegarem até mim”, sublinhou, continuando: “Ainda estavam indecisos relativamente à utilidade da PJ, porque queriam resolver pelos seus meios”.
A posterior publicação na Internet do contrato entre a Doyen e a empresa de cibersegurança representou uma “provocação”, segundo Rui Pinto, com o intuito de mostrar que não se deixava intimidar pelas ameaças que, entretanto, começara a receber via email.
“Foi para mostrar que não tinha receio deles. Tem a ver com o espírito rebelde, uma demonstração de que não tinha receio deles e que sabia que estava a ser procurado. Não mudei a minha residência, mantive-me em Budapeste”, vincou o criador da plataforma eletrónica, apesar de admitir que chegou a sentir receio: “Mas isso não me fez parar”.
Rui Pinto referiu também que a Doyen “ameaçava pela via judicial” os órgãos de comunicação social no sentido de não abordarem assuntos relacionados com o fundo de investimento e que tinham sido divulgados no Football Leaks, citando “constantes ameaças” ao jornal Record.
Anteriormente, o principal arguido do processo negou ter provocado a PJ com uma publicação na página Football Leaks no Facebook, alegando que essa e a página Sporting Comédia de Portugal pertenciam a um funcionário do Benfica e que isso “fazia parte de uma estratégia de comunicação” do clube da Luz. Disse ainda que esse ‘post’ acabou por prejudicá-lo “bastante” e chegou a ser usado como posterior justificação para manter a sua prisão preventiva.
Nas respostas ao coletivo de juízes, Rui Pinto revelou também que o projeto em torno do site nunca recebeu uma doação, embora tivesse essa expectativa. “As pessoas não gostam de gastar dinheiro. Estava à espera do suficiente, de uns trocozitos para continuar o projeto. Acabou por dar só prejuízo. Nunca recebemos nenhuma doação”, confessou.
Rui Pinto, de 34 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto de 2020, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.