No recurso a que a agência Lusa teve hoje acesso, o MP pede que a condenação no julgamento de primeira instância em seis anos de prisão seja "revogada e substituída por outra que condene o arguido [Ricardo Salgado] na pena única de 10 anos de prisão".
Caso o pedido não seja acolhido pela Relação, o MP solicita que "no mínimo” seja condenado na "pena única de seis anos e oito meses de prisão", o que acrescenta oito meses à condenação de primeira instância.
Ricardo Salgado foi condenado por três crimes de abuso de confiança (apropriação ilícita de dinheiro de terceiros) em penas parcelares de quatro anos de prisão (por cada um dos crimes) e, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos de prisão, sendo que o crime de abuso de confiança qualificado (ou de elevado valor) é punido com pena de 1 a 8 anos.
A justificar o pedido de agravamento da pena, o procurador Vítor Pinto salienta que para determinação da medida da pena, quanto à culpa do arguido Ricardo salgado, deve atender-se à "elevada ilicitude das condutas em causa, vistos os elevadíssimos montantes de que o arguido se apropriou – montantes que oscilaram entre os 2.750.000 e os 4.000.000 euros em cada um dos crimes, quantias, cada uma delas, que 95% ou mais da população portuguesas não conseguira auferir durante toda uma vida de trabalho".
Outra circunstância apontada pelo MP para justificar o agravamento da pena é a "muita acentuada gravidade da violação dos devedores a cargo do arguido", dada a sua posição de administrador do Grupo Espírito Santos (GES) e da "especial obrigação" de não cometer estes crimes.
Outra das circunstâncias indicadas pelo procurador prende-se com a "elevada condição económica do arguido, que gozava de uma situação financeira absolutamente desafogada, com rendimentos mensais na ordem das dezenas de milhares de euros", pelo que a prática de tais crimes, após mais de 20 anos à frente do GES, "só se explica por pura ganância", motivação que "nem uma idade já relativamente avançada travou".
No recurso, o MP aponta também o "dolo direto e a persistência criminosa" com que Ricardo Salgado agiu, em execução das condutas reiteradas durante cerca de um ano e que "salta à vista terem sido ponderadas e planeadas ao pormenor".
Entre outros factos justificativos para o agravamento da condenação, o procurador assinala ainda "a ausência de arrependimento" de Ricardo Salgado e a "negação da prática dos crimes e a ausência de reparação dos danos causados".
O procurador invoca também "exigências de prevenção" criminal, bem como o alarme e "a sensação de impunidade e o sentimento de revolta que este tipo de condutas" provocam na população em geral, tão carenciada de recursos económicos, para que haja uma pena de prisão "proporcional à gravidade dos factos".
Por estes motivos, o MP entende que a pena única de seis anos de prisão aplicada a Ricardo Salgado se "revela desajustada e terá de ser agravada", face à gravidade do "comportamento global" do arguido.
Por seu lado, a defesa do ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, recorreu da condenação a seis anos de prisão e pediu a revogação do acórdão, considerando que a sentença vai causar ou acelerar a sua morte.
“Afigura-se evidente que uma qualquer prisão efetiva – ainda para mais na duração determinada no acórdão recorrido – causará ou, pelo menos, acelerará o falecimento do ora arguido recorrente”, pode ler-se no recurso com 792 páginas para o Tribunal da Relação de Lisboa, a que a Lusa teve acesso.
Os advogados do ex-banqueiro, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, invocam o diagnóstico de doença de Alzheimer e criticam a decisão do tribunal por aplicar “esta pena de prisão efetiva sem sequer ter gasto ou dedicado uma única palavra para apreciar a concreta relevância” da patologia.
O ex-banqueiro esteve acusado de 21 crimes no processo Operação Marquês, mas, na decisão instrutória proferida em 09 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa deixou cair quase toda a acusação que era imputada ao arguido. Ricardo Salgado acabou pronunciado por apenas três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros, para um julgamento em processo separado, cujo acórdão foi conhecido no dia 07 de março deste ano.
Lusa