“Comemorar o 25 de Abril é, em primeiro lugar, honrar a memória dos que resistiram, sofreram e tombaram para que a liberdade fosse possível. No ano em que os dias em democracia superam o número de dias em ditadura, deu-se a coincidência dessa data ocorrer a 24 de março, dia da revolta estudantil que mobilizou a juventude contra quem a privava do seu futuro”, declarou Pedro Delgado Alves no discurso que proferiu na sessão solene comemorativa do 48º aniversário do 25 de Abril de 1974 na Assembleia da República.
E a esta primeira referência a Jorge Sampaio seguiu-se uma prolongada salva de palmas por parte dos deputados, com os socialistas a aplaudirem de pé.
Para o antigo líder da JS, Jorge Sampaio, que morreu em 10 de setembro passado, “demonstrou nesse 24 de março de 1962, que já era um homem livre antes da liberdade raiar, nunca se vergando perante a opressão e a injustiça, não tendo medo de arriscar quando o que se arriscava era a vida e o futuro”.
“Desde esses dias com os colegas na Alameda da Universidade, perante a arbitrariedade dos tribunais plenários que enfrentou, e na sua vida de incansável construtor da democracia, como tribuno nesta Assembleia, como autarca no poder local, ou na Presidência da República, Jorge Sampaio junta-se aos eternos que tanta falta nos fazem para recordar que o respeito, a cordialidade e a convivialidade são essenciais à democracia”, afirmou.
Através de Jorge Sampaio, o dirigente da bancada socialista prestou depois homenagem aos republicanos, anarquistas, comunistas, socialistas, monárquicos, liberais e democratas de outras extrações que “mantiveram acesa a chama da esperança de um Portugal livre, desamordaçado enfim, como Mário Soares exigiu e ajudou a concretizar”.
Neste contexto, Pedro Delgado Alves defendeu que honrar o 25 de Abril “é, também, não esquecer que as contradições e tensões que se enfrentaram” em 1974 e em 1975 “e arriscaram fraturar o país durante o processo revolucionário”, mas que “foram superadas pelos decisores de então, ninguém excluindo, todos conquistando para a democracia, sarando as feridas e privilegiando aquilo que nos une e que a todos orgulha”.
“Não erremos hoje, fora de tempo, onde Soares, Sá Carneiro, Cunhal, Freitas do Amaral, Melo Antunes e Ramalho Eanes não falharam”, frisou.
No seu discurso, o deputado socialista e professor universitário comparou o Portugal antes da revolução de Abril e o país de hoje.
“Uma menina que nasça em abril de 2022, não se confrontará com um regime que lhe diz que não pode ser juíza ou diplomata, que a sujeita ao marido como chefe de família, que não a protege da violência e que lhe determina um papel social do qual não poderá escapar; uma menina que nasça em abril de 2022, não terá de desafiar uma taxa de mortalidade infantil que envergonha o seu país, e poderá encarar o futuro com uma esperança de vida de 81 anos, sabendo que terá o SNS do seu lado para enfrentar o que surgir pela frente”, disse.
Pedro Delgado Alves concluiu, depois, que foi “graças ao 25 de Abril que se pôde concretizar o desejo do país de aderir ao projeto democrático europeu e de vencer o atraso a que esteve condenado”.
“Sozinhos, de costas voltadas entre nós e de forma individualista, não teríamos percorrido tantas décadas em tão poucos anos. Sozinhos, fechados nas nossas fronteiras de costas voltadas para a nossa Diáspora e para as comunidades de imigrantes que connosco partilham o seu destino, não nos teríamos enriquecido da mesma forma. Sozinhos e de costas voltadas para a Europa ou para quem partilha a nossa língua, não teríamos alcançado o respeito da comunidade internacional e das democracias do mundo”, sustentou.
A seguir, deixou uma advertência: “Em dias de ameaças populistas e de recurso à simplificação do que é complexo para instigar ressentimentos entre os cidadãos, a qualidade das instituições democráticas nunca foi tão importante, o respeito pelo outro nunca foi tão fundamental, a preservação do Estado social nunca foi tão decisiva para nos imunizar contra esses riscos”.
“Muitos dos inconformados com o que ainda falta fazer, desiludidos com os sonhos ainda por realizar ou descontentes com a qualidade da democracia não são inimigos de Abril, mas correm o risco de ser manipulados ou instrumentalizados por aqueles que o são”, acentuou.
Para Pedro Delgado Alves, “a este desafio dentro de portas, acresce ainda a cada vez maior urgente necessidade de solidariedade para com aquelas que mundo fora precisam de nós na defesa conjunta de uma ordem internacional baseada em regras comuns, onde se abandona a lei do mais forte”.
“Não há qualquer espírito de Abril na força bruta para resolver diferendos, nem no desrespeitar da soberania e da integridade dos povos vizinhos”, acrescentou, aqui numa referência à intervenção militar russa na Ucrânia.