"Faremos uma ‘visita pacífica’ ao Consulado para pedir mudanças no sistema de agendamentos ‘online’ porque há uma enorme quantidade de pessoas sem atendimento. Não procuramos responsáveis. Queremos uma solução", esclarece à Lusa o português Martim Oliveira, de 45 anos, organizador da inédita manifestação.
A partir das 09:00 desta segunda-feira (13:00 em Lisboa), quando o Consulado de Portugal em Buenos Aires abrir, cerca de 50 pessoas tentarão uma reunião com o conselheiro da Embaixada e encarregado da secção consular, Francisco de Calheiros.
"Queremos ser recebidos pelo senhor Calheiros para lhe entregar uma petição e para que comecem a agir. Não podemos mais esperar. O Estado português tem de garantir o nosso direito a ter documentos atualizados em tempo e forma", afirma Martim Oliveira, quem criou um cadastro paralelo, já preenchido por mais de 150 pessoas, com os dados pessoais e o atendimento requerido.
"Vamos entregar esse cadastro como forma de ajudar a canalizar a demanda acumulada", explica Martim Oliveira, atualmente impedido de ficar em Portugal com o pai devido ao cartão cidadão e ao passaporte vencidos em 2020.
"Posso viajar com o passaporte argentino, mas entraria como turista no meu próprio país, teria de ficar um tempo limitado e não exerceria os meus direitos como cidadão português", considera.
O estopim para a manifestação aconteceu no último 01 de agosto, dia previsto para os agendamentos pelos próximos cinco meses, até o final de 2022. Assim como tem ocorrido a cada três meses, período depois do qual o sistema de agendamento é reaberto, quando a opção "Consulado de Buenos Aires" apareceu, imediatamente surgiu a mensagem: "Atualmente, não há vagas disponíveis. Por favor, tente mais tarde".
Cansado da falta de disponibilidade, Martim Oliveira resolveu publicar na página "Portugueses em Buenos Aires" no Facebook uma convocatória para criar um grupo no WhatsApp com os afetados pela falta de agendamento. Desde então, o grupo tem crescido numa progressão geométrica. No sábado eram mais de 200 pessoas, 50 a mais do que no dia anterior.
"Sou programador e conheço sistemas. Ao longo de dois anos e meio, já tentei de todas as formas, mas é impossível. Pelas redes, vemos centenas de pessoas a reclamar. Mas onde estão essas vagas que desaparecem instantaneamente sem que ninguém consiga? A suspeita é que dão poucos apontamentos ou estão a reservar espaços para gestores", questiona.
Depois de o grupo ter sido criado e da visita ao Consulado ter sido anunciada, a secção consular da Embaixada de Portugal em Buenos Aires informou que "disponibilizou agendamentos adicionais num número limitado" (esses agendamentos adicionais duraram 15 minutos), indicando que "está a trabalhar na sua capacidade máxima e num esforço extraordinário por parte dos seus funcionários".
A secção consular acrescentou que "está ao corrente das dificuldades na marcação de agendamentos" e alegou que "trabalha com um quadro de pessoal reduzido devido à aposentação de um dos seus funcionários", que "o elevado número de pedidos de agendamento é significativamente superior aos meios humanos disponíveis" e que "o sistema de agendamentos não depende da Embaixada, mas do Ministério dos Negócios Estrangeiros".
No entanto, a aposentação à qual a Embaixada faz referência ocorreu em junho, enquanto o problema vem de longa data.
"A falta de pessoal parece uma desculpa. Não é possível que ninguém consiga marcar um horário. Tenho tentado desde o final de 2019 em todos os horários. Gastei muitas horas da minha vida a tentar", relata o publicitário Sergio Conde Cardoso, de 60 anos, cujo passaporte caducou há dois anos, impedindo-o de visitar a irmã nos Estados Unidos.
"Quero estar perto da minha família, mas não posso. Não os vejo há quatro anos. Já perdi uma viagem por estar com o cartão cidadão e com o passaporte vencidos", reclama.
"O problema é anterior à pandemia. Não é de agora porque tem uma funcionária a menos. Sempre trabalharam com poucos horários e com má vontade", critica a professora Karina Díaz, de 49 anos, quem tem tentado ser atendida desde março de 2019. Enquanto isso, o seu cartão cidadão venceu e o passaporte vencerá neste mês.
Para conseguir que a mãe de 74 anos fosse atendida, Karina recorreu a um parente diplomata em Espanha que entrou em contacto com a Embaixada em Buenos Aires. O passaporte português, único documento da mãe para sair do país, estava caducado desde o ano passado, impedindo-a de viajar a Portugal.
"Depois desse caso, abriram um e-mail especial para pessoas maiores de 70 anos, impossibilitadas de sair do país por não poderem renovar os seus passaportes", destaca.
Porém, para si e para os três filhos, não se consegue agendar um atendimento. Em março passado, Karina registou uma queixa no Instituto dos Registos e do Notariado e, em maio, recebeu a confirmação da Secretaria de Estado de Proteção Civil do Ministério da Justiça com a abertura de um processo sobre o que está a acontecer em Buenos Aires.
"Agora, estamos a avaliar viajar a Portugal para avançar porque, através da Embaixada, é impossível. A que ponto chegamos", lamenta Karina.