Nascida em Cabinda há 25 anos, a segunda de seis irmãos, Joice Zau viveu no Kuanza Sul e estudou engenharia em Luanda, onde vive atualmente.
Em 2018 começou a escrever poesia, mas foi em 2020 que ganhou visibilidade, com o poema “Em 2022 vão gostar”, inspirado na campanha de oposição ao Presidente João Lourenço “JLo Em 2022 vais gostar”.
O poema, declamado num ‘poetry slam’, concurso de poesia falada, transmitido por uma televisão privada em Angola e depois divulgado nas redes sociais, chamou a atenção pela forma emotiva como é interpretado, mas sobretudo pelo conteúdo, que, embora sem referência a nomes, é uma crítica ao Governo angolano e uma referência às eleições presidenciais de agosto deste ano.
“É injusto que a bandeira que um dia erguemos continue a debotar o sangue das nossas dores e evapore os nossos sonhos”, diz um dos versos do poema, que acrescenta: “Já não temos ‘pin’ nem ‘puk’. Angola está bloqueada. Não há luz no fim do túnel”.
Zau recorda que foi escrito na fase da pandemia, que em Angola viu “vários direitos serem violados”.
“Foi uma fase em que houve muitas manifestações, inclusive a morte do Inocêncio de Matos, que foi um ativista que foi morto numa manifestação, e várias violações de direitos humanos. As senhoras eram espancadas. Matou-se um médico por não usar máscara”, lembrou, referindo ainda o caso das mulheres que trabalham no mercado informal, que foram impedidas de vender e ficaram “em casa, a passar fome, os filhos a morrerem”.
“Foi um poema que trouxe bastante visibilidade e trouxe também alguns problemas”, diz Joice Zau, em entrevista à Lusa.
A ‘artivista’ conta que soube que “esse poema chegou aos órgãos do Estado” e surgiram ‘fake news’ de que estaria a ser financiada por Tchizé dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos.
“A minha família ficou obviamente assustada e acabaram me assustando também. Inclusive eu tive de ficar duas semanas em casa trancada sem sair. Os meus familiares não me deixaram sair, fiquei sem telefone, ninguém conseguia me localizar”, relata.
Ainda assim, Joice recusa parar de escrever e declamar a sua poesia, porque parar significa “dar mais espaço para que essas ditaduras e essas opressões continuem”.
Além disso, com o crescimento do ‘poetry slam’ em Angola e da sua influência nos jovens dos bairros periféricos, a ativista sente-se uma referência: “Se eu deixo de o fazer (…) não consigo mais influenciar outras meninas e assim a revolução acaba por atrasar”.
Para Joice, campeã brasileira de ‘poesia falada’ e vencedora do concurso do género para mulheres lusófonas, este movimento do ‘Spoken Word’ acaba por ser “uma nova modalidade em que as mulheres conseguem se expressar, falar dos seus problemas, falar da violência doméstica e do abuso sexual, da violência infantil”.
Embora não se veja como dirigente política no futuro, acredita que pode “incentivar outras meninas a se atreverem” e “a sonharem por exemplo em serem Presidentes, em serem ministras ou governadoras”.
Os ‘slams’ são também “palcos de crítica institucional, de prática política, de fomento de talentos periféricos”, defende.
“Sempre que eu vou numa comunidade para declamar, eu aproveito sempre para problematizar situações políticas e sociais, porque eu acho que, numa altura como essa, é o dever do artista”, explica.
Ainda sobre o título do poema que lhe deu visibilidade, Joice diz esperar que, em 2022, “os angolanos venham a gostar de uma alternância política, porque há muito que se deseja isso”.
“Infelizmente, em 46 anos os angolanos não conseguem saborear uma alternância política ou governativa, então em 2022 eu espero que os angolanos tenham o privilégio de experimentar novos modelos de governação”, refere, reconhecendo, no entanto, que isso “será um pouco difícil”.
“Sabemos como é o sistema que nos governa. Provavelmente já devem estar a ser montadas fraudes eleitorais, porque é o que acontece sempre”, lamenta.
Zau acredita que nos últimos anos houve “algum progresso no que concerne à consciência cívica dos angolanos”, mas ainda assim quer levar a sua arte mais além.
“O ‘spoken word’ é uma arte bastante atrativa, uma arte urbana, a juventude consegue logo identificar-se com essa expressão artística. Eu gostaria de usar as vantagens dessa arte para poder ir atiçando a consciência das comunidades, principalmente as comunidades periféricas de Angola”, conclui.
Lusa