As conclusões constam de um estudo da Universidade Católica, sobre o impacto da pandemia nas crianças e jovens, hoje apresentado numa sessão ‘online’ pela coordenadora do projeto e professora da instituição, Rita Francisco, que disse não haver ainda dados suficientes para explicar o menor ‘stress’ psicológico entre as crianças e jovens portugueses em comparação com espanhóis e italianos, mas avançando como possível explicação o facto de a primeira fase da pandemia ter sido menos grave em Portugal do que em Espanha e Itália.
Em comentário aos resultados do estudo, a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Renata Benavente, salientou que esta questão deve merecer especial atenção na segunda parte do estudo, ainda a decorrer e a recolher dados desde janeiro em relação ao segundo período de confinamento, ressalvando que esta fase está a ser particularmente grave em Portugal, sendo necessário perceber de que forma isso se reflete a nível comportamental e psicológico em comparação com os restantes países em estudo.
Defendeu ainda que será importante perceber como a pandemia vai condicionar o desenvolvimento dos “futuros adultos” e a consolidação de competências, sendo necessário também perceber os impactos das perdas e dos processos de luto que atingem um grande número de famílias.
O estudo, com incidência em Portugal, Espanha e Itália, inquiriu ‘online’ 320 pais e mães (maioritariamente mães e maioritariamente portuguesas) de 442 crianças e jovens entre os três e os 18 anos, obtendo respostas sobre os efeitos psicológicos negativos do primeiro período de confinamento, que em Portugal se prolongou do final de março a início de maio do ano passado.
Segundo o estudo, os efeitos sentidos no sono foram particularmente notórios nas crianças em idade pré-escolar (3 a 5 anos) e entre aquelas que dormiam menos de oito horas por noite em dias de semana, mas em média, crianças e jovens aumentaram o tempo média de horas de sono de nove para dez.
Por outro lado, aumentou o sedentarismo, com mais tempo passado em frente a ecrãs e com a maioria do universo abrangido no estudo a praticar até uma hora de atividade física diária.
Antes da pandemia, a percentagem de crianças e jovens com mais de uma hora de atividade física diária era superior a 50% do universo do estudo, segundo as respostas dos pais. No confinamento menos de 25% das crianças e jovens praticava mais de uma hora de exercício diário.
Preocupação, agitação, mas sobretudo irritação, foram os sintomas de alterações emocionais e de comportamento mais indicadas. A instabilidade emocional, com episódios de choro e zangas, foi mais frequente nas crianças em idade pré-escolar. Entre os seis e 12 anos os pais notaram maiores dificuldades de concentração, ansiedade e propensão a discussões familiares. Já os adolescentes foram os que mostraram maior preocupação face ao futuro e em relação à infeção por covid-19.
Houve mais perguntas sobre a doença e sobre a morte e preocupação com a falta de contactos sociais – com amigos e colegas – e familiares, nomeadamente com os avós. As crianças e jovens manifestaram também preocupação e incerteza em relação ao futuro, particularmente os adolescentes em idade de exames nacionais, preocupados com o acesso ao ensino superior.
O inquérito aos pais mostrou também que a passagem do tempo ajudou os mais novos a lidar com a pressão e ansiedade criada pela pandemia, desenvolvendo estratégias para lidar com a situação, como sejam o recurso ao humor, a aceitação e perceção de vantagens de estar em casa, entre os mais velhos, e a procura de afeto junto da família ou a verbalização de emoções e frustrações junto dos mais velhos, no caso das crianças mais pequenas. Estas estratégias acentuaram-se nas últimas semanas do comportamento.
O estudo destaca ainda o peso de variáveis como as condições de habitação na manifestação de alterações emocionais e comportamentais, mostrando que a existência de terraços e jardins nas habitações diminui a incidência dessas alterações pela exposição ao sol e ar livre. Não ter irmãos para brincar, por exemplo, também provoca alterações de humor.
Há ainda referência às consequências para os pais, o modelo de comportamento dos filhos, sugerindo-se uma monitorização de comportamentos e saúde mental dos pais para diminuir as alterações psicológicas nas crianças.
A este respeito, Renata Benavente referiu os impactos negativos da conciliação difícil entre teletrabalho e assistência aos filhos em ensino à distância, dizendo que a pressão sobre os pais se reflete no bem-estar das crianças e jovens.