Alexandre Valentim Lourenço falava à agência Lusa a propósito de dois despachos publicados na quarta-feira em Diário da República a autorizar o recrutamento de 202 médicos em regime de mobilidade e a abertura de 219 vagas que contemplam incentivos para captar profissionais de várias especialidades para as zonas mais carenciadas.
No seu entender, as vagas abertas são “muito insuficientes” e “são apenas alguns pequenos remendos num tecido que está perfeitamente esburacado”.
A ginecologia-obstetrícia e a anestesiologia são das especialidades mais carenciadas de médicos em algumas regiões do país, o que tem provocado alguns constrangimentos na resposta.
Alexandre Valentim Lourenço disse que as grávidas na zona de Lisboa têm sido transferidas dezenas de vezes, e outros doentes também, porque os serviços não conseguem responder às solicitações da urgência.
“O parto não sendo uma situação de urgência, tem que ocorrer naquele momento, e nós temos as maternidades com falta de pessoal mesmo nas centrais, com a redução das camas para poder conseguir ter qualidade e não correr riscos e não temos número suficiente de camas para responder a estas solicitações”, explicou.
Por isso, “se um dia se transferem grávidas de Vila Franca ou do Beatriz Ângelo para a Maternidade Alfredo da Costa noutro dia, há de ser de outro hospital, para outro hospital, e tem sido sempre assim nos últimos meses”.
Para ultrapassar esta situação, defendeu ser preciso “um reforço efetivo” de todas as maternidades e evitar a saída de especialistas para o privado – que faz anualmente cerca de 10.000 partos na região de Lisboa – como tem acontecido nos últimos anos.
Há 1.800 especialistas em Ginecologia e Obstetrícia inscritos na Ordem dos Médicos, mas há cada vez mais a trabalharem no privado.
“O que está a acontecer é que nós não conseguimos reter os jovens especialistas. Os que se mantêm no SNS são especialistas mais velhos, muitos deles é previsível que se reformem em quatro ou cinco anos e não conseguimos regenerar o sistema público em termos de capacidade de intervenção”, lamentou.
Além disso, os especialistas a partir dos 55 anos não têm que fazer urgências e a assistência nas salas de parto e nos serviços de urgência diminui. Contudo, os serviços mantêm-se abertos porque estes médicos prescindem do seu direito e mantêm a assistência às populações.
Questionado se o preenchimento destas vagas pode atenuar o problema, o responsável afirmou, aludindo ao concurso de mobilidade, que, na prática, não corresponde a um acréscimo de novos profissionais, mas sim à mobilização de “um lado para outro”.
“Isto significa que sítios que já estão em défice vão deslocar médicos para outros que tenham défice e, segundo o despacho, sem nenhumas condições adicionais”, disse, defendendo que importava trazer para o SNS médicos que não estão colocados ou que estão em outras instituições.
Relativamente aos incentivos para os médicos que pretendam ir para zonas carenciadas, o especialista afirmou que é necessário saber quais são essas compensações e como as vão aplicar.
“Muitas destas vagas são realizadas dentro da cidade de Lisboa, contratando profissionais se calhar com um determinado tipo de condições, estando lá outros a trabalhar por menos condições, e isto poderá ser um desastre”, alertou.
Para Alexandre Valentim Lourenço, são necessárias medidas globais para apoio de todos os médicos.
“É importante que este sistema não seja apenas um despacho que surge uma vez por ano, mas sim um sistema global que premeia e incentive todos os médicos que estão no SNS”, rematou.