“Apesar de a corrupção no desporto não ser um fenómeno novo – atividades fraudulentas nas instituições desportivas e competições estão documentadas desde os tempos do antigos Jogos Olímpicos –, nas últimas duas décadas assistimos a um aumento substancial nas atividades criminais nesta área”, assinala o documento, elaborado pelo UNODC em parceria com cerca de 200 peritos de diversos países.
Segundo o Relatório Global sobre Corrupção no Desporto, “a globalização, o enorme influxo de dinheiro, o rápido crescimento das apostas desportivas legais e ilegais, e os avanços tecnológicos que transformam a forma como o desporto é praticado e consumido estão a torná-lo cada vez mais atrativo para as redes criminosas que pretendem explorar o desporto para lucro ilícito”.
Só no que diz respeito ao mercado de apostas ilegais, é estimado que sejam movimentados 1,5 biliões de euros anualmente, de acordo com os dados apresentados neste trabalho do organismo das Nações Unidas que tem sede em Viena, na Áustria.
“Oferecendo um manual para combater eficazmente o crime e a corrupção no desporto, e estabelecendo uma série de considerações políticas concretas, o Relatório Global sobre a Corrupção no Desporto também revela a impressionante escala, manifestação e complexidade da corrupção e do crime organizado no desporto ao nível global, regional e nacional”, realça o UNODC, que considera este estudo como o “mais aprofundado do género até hoje”.
O relatório global, lançado na data em que é assinalado o Dia Internacional Anticorrupção, analisa o papel das apostas ilegais, a manipulação da competição, o abuso no desporto, a suscetibilidade dos grandes eventos desportivos à corrupção, e o envolvimento do crime organizado, entre outros temas.
Também destaca a mudança no cenário do desporto e a sua relação com práticas corruptas, as iniciativas existentes para lidar com o problema, questões relacionadas à deteção e denúncia de irregularidades, bem como a forma como as estruturas legais existentes podem ser aplicadas para lidar com a corrupção nesta área.
O documento, desenhado para uso dos governos e das organizações desportivas, foi divulgado uma semana antes de começar a reunião bienal das Nações Unidas contra a corrupção, que vai decorrer em Sharm El-Sheikh, no Egito, entre 13 e 17 de dezembro, e onde o tema da corrupção no desporto vai ser discutido.
Entre as várias conclusões, o relatório global aponta para a necessidade urgente de “reforçar as redes legais, políticas e institucionais para prevenir e responder às diferentes manifestações de corrupção e crime no desporto nos níveis global, regional e nacional”.
Além disso, é preciso “desenvolver e implementar políticas anticorrupção abrangentes no desporto, com foco no combate à corrupção ligada à organização de grandes eventos desportivos, à manipulação da competição, às apostas ilegais e ao envolvimento do crime organizado no desporto”, sublinha o estudo.
A promoção e o reforço de cooperação, bem como a troca de informação e boas práticas entre as organizações desportivas e as autoridades de prevenção e justiça criminal, a par dos políticos também deve ser incentivada a nível global, de acordo com as recomendações do UNODC, que aponta ainda para a urgência de “aumentar a compreensão das interligações entre a corrupção e o crime organizado no desporto, e desenvolver as capacidades de entidades governamentais e organizações desportivas relevantes para enfrentá-los”.
Ao longo das 300 páginas do relatório global, que contou com a colaboração de António Folgado, do Ministério da Justiça, são destacadas algumas iniciativas lançadas nos últimos anos em Portugal, como a Estratégia Nacional Anticorrupção (2020-2024), que inclui entre os seus objetivos a criação de uma plataforma nacional para combater a manipulação de competições desportivas, a padronização das penas por corrupção de agentes desportivos, e a responsabilidade dos reguladores pela implementação de boas práticas e medidas adicionais nos seus subsetores, incluindo o setor de desporto.
Também é realçado o Código de Ética Desportiva português (2015), que define o padrão de ética no desporto, incluindo regras de conduta para diferentes intervenientes no desporto nacional (por exemplo, entidades tutelares, praticantes, professores, escolas, treinadores, árbitros, dirigentes, agentes, pais, médicos e outros profissionais de saúde, organizações desportivas, espetadores e meios de comunicação).
Este código tem três áreas principais: ética desportiva, educação através do desporto e ‘fair play/clean game’ (jogo limpo).
Além disso, o estudo aponta também para o guia de integridade desportiva que foi elaborado pelo Comité Olímpico de Portugal com o objetivo de proteger o desporto da manipulação da competição. O guia inclui ferramentas de ensino, informações práticas, recomendações e princípios orientadores.
Ainda sobre as iniciativas de combate à corrupção tomadas em Portugal, é salientado o lançamento em 2015 do sistema de registo de indivíduos condenados por ofensas contra a autodeterminação e liberdade sexual dos menores.
A Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) é responsável pelo registo dos processos no sistema, aos quais apenas os juízes e procuradores têm acesso para efeitos de investigação criminal, instrução do processo penal, execução de sentenças e decisões de adoção, tutela, custódia ou o regulamentação das responsabilidades parentais, e pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei, pela Direção-Geral para a Liberdade Condicional e Administração Penitenciária, e pelo chefe da Comissão para a Proteção de Crianças e Jovens em Risco.
Os detalhes do que deve ser incluído neste sistema são determinados por lei. A lei não prevê explicitamente a informação sobre se o crime foi cometido no âmbito desportivo, embora seja possível extrair essa informação da decisão judicial de condenação, que acompanha o sistema de registo.