“Não há evolução praticamente nenhuma” no que respeita a ouvir mulheres enquanto especialistas ou porta-vozes, assinalou Rita Basílio Simões, coordenadora da participação portuguesa no Global Media Monitoring Project (GMMP), iniciativa da organização não-governamental World Association for Christian Communication.
“Continuamos a ter uma presença muito reduzida de mulheres no papel de especialistas ou porta-vozes. As mulheres aparecem sobretudo como testemunhas oculares, como representando a voz popular, como dando a sua experiência pessoal em relação a determinado assunto, e não como vozes de autoridade”, detalhou, em entrevista à Lusa, via zoom, a propósito do estudo “Who makes the news? [Quem faz as notícias?]”.
O sexto relatório do GMMP, hoje divulgado, baseou-se em dados de 116 países, que analisaram um conjunto de 30.172 histórias disseminadas em jornais, rádios, televisões, ‘sites’ e na rede social Twitter, no mesmo dia.
O estudo, que se realiza a cada cinco anos, é a maior análise sobre o retrato e a representação das mulheres nos media e em 2020 foi realizado em Portugal por uma equipa da Secção de Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que dissecou 329 notícias.
Portugal contabilizou, em 2020, uma percentagem de mulheres que aparecem nas notícias como sujeitos e fontes de informação superior à da média mundial (34 por cento contra 25).
Em 2010 (ano dos últimos dados nacionais, porque em 2015 não foi produzido um relatório), Portugal registava uma percentagem de 23 por cento. “O salto é interessante”, constata Rita Basílio Simões, assinalando que Portugal também está acima da média europeia (28 por cento).
Porém, sublinha, “os números não dizem a história toda” e, quando se analisa melhor, “as mulheres estão mais presentes, mas continuam a desempenhar funções periféricas e não funções que ilustrem um lugar de importância na sociedade”.
Por exemplo, as mulheres são sujeito ou fonte de informação em apenas 27 por cento das notícias sobre política e 40 por cento das notícias sobre economia, estando apenas em maioria (52%) nas notícias sociais e legais.
“Desde o início da pandemia, temos mulheres na linha da frente do combate, mas, no entanto, elas acabam por aparecer muito pouco nas notícias”, refere a investigadora. Segundo o estudo, apenas 32% das notícias sobre ciência e saúde têm como sujeito ou fonte uma mulher.
Outro dos destaques para os dados nacionais de 2020 “uma percentagem confortável de produção de notícias por mulheres”.
O estudo estima que 57% dos repórteres são mulheres (que atingem o máximo de 84% nas rádios), percentagem que baixa para 27% entre os apresentadores (que atingem o mínimo de 16% também nas rádios).
Nos media tradicionais, as mulheres já são a maioria na produção de ‘hard news’ de política (52%) e economia (77%), mantendo-se o desporto aparte desta tendência de feminização (21%).
Porém, “quem manda são os homens” e este aumento de mulheres jornalistas não se traduz em mudanças na escolha de fontes (incluindo mais mulheres) ou no tratamento dos temas (dedicando mais atenção à igualdade de género).
Ao contrário, ressalva a investigadora, “há muitas oportunidades perdidas, em que as matérias se prestavam a explorar a questão de género, mas esse olhar é negligenciado” por quem produz as notícias.
Para responder à “falta de consciência e sensibilização” dos jornalistas, a equipa portuguesa recomenda formação, para ajudar a “eliminar estereótipos de género” da produção de notícias.
Ao mesmo tempo, apela aos meios de comunicação que equilibrem “a presença de homens e mulheres nas notícias como protagonistas e fontes de informação” e diversifiquem a produção noticiosa, “dedicando mais atenção” às questões de género e direitos das mulheres “em períodos de rotina” e não apenas a propósito de efemérides.
Apenas 25 por cento das notícias do mundo têm as mulheres como sujeitos ou fontes de informação e serão precisos “pelo menos 67 anos” para se atingir a igualdade, constata o último relatório do GMMP.