A AP noticiou a morte do músico, citando um comunicado do agente, Zach Farnum.
Último sobrevivente de uma sessão histórica que ocorreu por acaso em dezembro de 1956, no estúdio da também icónica editora Sun Records, em Memphis, no estado norte-americano do Tennessee, que o juntou – ainda novato – aos já populares Elvis Presley, Johnny Cash e Carl Perkins, Lewis fez igualmente parte da chamada “Class of ‘55”, com Cash, Perkins e Roy Orbison.
Lewis, que em 2006 lançou um disco chamado “Last Man Standing”, orgulhava-se de ter continuado a tocar e a subir aos palcos quando os outros criadores do género chamado rock’n’roll se tinham retirado de cena, por uma razão ou outra: Elvis foi para o exército entre 1958 e 1960, Chuck Berry passou quase dois anos preso por atravessar linhas estaduais com uma menor em 1959, Buddy Holly morreu na queda de um avião e Little Richard abandonou a música pela religião.
“Nunca me considerei o maior, mas sou o melhor”, afirmou, em 1979. A propósito de “maior”, reza a história que, no dia 23 de novembro de 1976, Lewis apareceu armado em Graceland, às 03:00, a exigir ver Elvis. O “Rei” terá mandado chamar a polícia e Lewis foi, mais uma vez na sua vida, detido.
Uma antiga presidente do clube de fãs de Lewis, Kay Martin, explicou à Rolling Stone que o encanto do músico “nunca foi tão abrangente como o de Elvis porque ele sempre fez mais sucesso junto dos homens”. “Geri o clube de fãs dele durante oito anos e se tivesse 20 miúdas no clube em simultâneo era imenso. Ele afastava-as. Acho que as assustava. Porque se fosses ter com o Jerry Lee Lewis, ele não queria aconchegar-te como a um ursinho de peluche. Ele queria mostrar-te as suas grandes bolas de fogo”, afirmou Kay Martin.
O influente crítico Robert Christgau escreveu que o que fazia de Lewis o “rock’n’roller por excelência” era o seu “ímpeto, o seu ‘timing’, o seu poder vocal, o seu inconfundível piano e a sua absoluta confiança perante o vazio”. Já o jornalista e crítico Greil Marcus resume a história de Lewis como uma “alma dividida entre as ameaças do Espírito Santo e os encantos do diabo”.
Jerry Lee Lewis nasceu em Ferriday, no estado do Louisiana, no dia 29 de setembro de 1935, ficou também conhecido pela alcunha de “The Killer” (“O assassino”, em tradução livre, que não transporta a nuance da palavra) e, nas palavras de um perfil da revista GQ, “suportou mais tragédia do que qualquer homem deveria ter de suportar” ao mesmo tempo que escandalizou um país “com a sua música temerária e profana”.
Quando Jerry Lee tinha 3 anos, o seu irmão mais velho morreu atropelado. Em 1962, o filho que teve com a terceira mulher, Myra, morreu afogado numa piscina antes do quarto aniversário. Onze anos depois, o filho que teve no segundo casamento e a quem deu o nome de Jerry Lee Lewis Jr. também morreu, neste caso num acidente de automóvel.
Jerry Lee Lewis tocou pela primeira vez num piano na casa dos tios e, aos 9 anos, face às capacidades que o pequeno Jerry Lee demonstrava diante do instrumento, o pai hipotecou a residência da família para lhe comprar um piano, que passou a transportar por todo o lado onde pudesse parar para dar concertos, tendo em conta a aprendizagem autodidata do filho.
“Agora que Jerry Lee tinha um piano, frequentava a escola ainda menos do que no passado e sofria menos em casa por causa das notas fracas. Quer [o pai] Elmo quer [a mãe] Mamie estavam confiantes de que o seu filho seria um grande criador de música, embora desde o começo Mamie esperasse e rezasse por que Jerry Lee dedicasse o talento ao Espírito Santo”, conta o jornalista Nick Tosches na biografia “Hellfire”, de 1982, que retrata a relação dividida de Lewis com a religião.
Face ao sucesso do jovem Jerry Lee Lewis, em 1956, foi com o pai até Memphis, para se fazer ouvir na Sun Records, que tinha lançado Elvis, Perkins, Cash e muitos outros. Na ausência de Sam Phillips, o produtor Jack Clement recebeu os dois homens e relatou o momento a Nick Tosches: “A rececionista veio ter comigo e disse ‘está ali um miúdo que diz que toca o piano como o Chet Atkins toca guitarra’. Isto não fazia sentido nenhum, por isso mandei-o entrar. Ele era confiante, mas não era mandão”.
Dessa vez, a Sun não lhe respondeu da maneira que ele pretendia, mas Lewis voltou e foi na editora que gravou “Whole Lot of Shakin’ Goin’ On”, “Great Balls of Fire” (escrita pelo pianista Jack Hammer e pelo cantor Otis Blackwell, que estava por trás de “Don’t Be Cruel” e “All Shook Up”, de Elvis) e “Breathless”, tornando-se num dos maiores nomes da música popular nos Estados Unidos num par de anos.
A ascensão foi tão rápida quanto a queda, que ocorreu, logo em 1958, quando é divulgado, em plena digressão no Reino Unido, que o terceiro casamento – sem que o segundo tivesse sido anulado – deu-se com uma prima de 13 anos, Myra. Embora Lewis visse o casamento com uma menor como algo normal na região onde cresceu, o escândalo que se seguiu destruiu parte da sua carreira. Myra e Jerry Lee separaram-se em 1970.
Apesar de grande parte do público ter passado a desaprovar abertamente do seu comportamento na vida privada, que veio a ser marcada também por excesso do consumo de álcool, drogas e também por recorrentes problemas com a lei, Jerry Lee Lewis não abandonou os palcos, tendo passado a concentrar-se no sul dos Estados Unidos.
Em 1968, depois de vários fracassos, a carreira teve um ressurgimento com “Another Place, Another Time”, desta feita mais virado para o ‘country’. Ao longo das décadas seguintes, continuou a lançar música nova, mas já distante do sucesso que conheceu entre 1956 e 1958.
Depois de um enfarte, em 2019, Jerry Lee Lewis teve de reaprender a tocar piano com a mão direita, mas recuperou e estava a gravar material novo no início do ano seguinte.
Vencedor de um Grammy pela carreira, atribuído em 2005, Jerry Lee Lewis fez parte do primeiro grupo de artistas a entrar para o Rock and Roll Hall of Fame, em 1986, a par de Chuck Berry, Elvis Presley, James Brown, Ray Charles, Little Richard, Sam Cooke, Fats Domino, Everly Brothers e Buddy Holly.