José Paulo Rodrigues é uma das 40 pessoas que continuam alojadas no centro comunitário de Câmara de Lobos. Está ali desde 17 de agosto, quando 120 pessoas foram retiradas da Fajã das Galinhas devido ao incêndio que consumiu mais de cinco mil hectares da ilha.
Aquele sítio, localizado na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, nas zonas altas do concelho, tem sido alvo de vários desabamentos ao longo dos anos e os moradores habituaram-se a conviver com o perigo.
No caso de José Paulo Rodrigues, as consequências de uma derrocada em março do ano passado vão acompanhá-lo para o resto da vida.
“O ano passado caiu uma quebrada em cima de mim e da minha mulher. Por isso estou a assim. Fiquei com as costas todas partidas. Agora ando com um saco”, conta.
Suportado por uma bengala, o homem de 56 anos ficou impedido de trabalhar, depois décadas de labuta nas terras da Fajã das Galinhas.
“Há coisas que não se esquecem. Eu ia ao centro. A minha mulher ficou um pouco para trás. A primeira caiu em cima de mim. Depois, caiu uma segunda. Ainda a vi chegar, mas eu não conseguia andar. Fiquei enterrado e a minha mulher também sofreu”, recorda.
A história serve para ilustrar como o local é “muito perigoso”, diz João Paulo, que vive na fajã há quase 30 anos. Só tem um pedido: que a futura casa não seja muito distante porque “está habituado no meio das árvores” e fica “maldisposto” quando está perto do mar.
“Eu às vezes passava, via cair uma pedra. Aquilo é perigoso. Há zonas em que não se podem andar. Então, agora com o lume, vai ser pior”, pressagia.
Segundo adiantou na segunda-feira à Lusa o presidente do município de Câmara de Lobos, Leonel Silva, o realojamento provisório das famílias da Fajã das Galinhas deverá ficar concluído até final da semana.
Até lá, Carolina Gomes vai continuar no centro comunitário juntamente com o marido e os três filhos, de 1, 4 e 7 anos. A jovem de 25 anos não tem qualquer ligação familiar com a Fajã das Galinhas, mas foi para lá viver há um ano devido ao elevado preço das rendas.
“Era simplesmente o sítio mais barato dadas as nossas condições financeiras. As rendas estavam muito altas e foi o que havia”, explica, enquanto constrói um puzzle para entreter um dos filhos.
Salienta, contudo, que se “sentia extremamente confortável” e “em segurança” porque vivia “numa zona segura”.
O problema é a estrada, onde estão sempre a “cair muitas pedras e árvores”, diz Carolina Gomes, que aceita a decisão, apesar de a lamentar.
“Eu gostava muito daquele sítio. Para mim, as Fajã das Galinhas foi um começo de vida. É um bocado triste porque lutei muito para chegar lá. Embora a casa não fosse minha, face às condições em que estávamos antes, foi muito bom. Foi um recomeço. Fico um bocado triste porque vou deixar, novamente, o meu recomeço para trás”.
Ao lado, Maria Alice e Filomena Santos partilham um sofá onde conversam sobre o que se passa na televisão. As duas nasceram e sempre viveram na Fajã das Galinhas, mas sentem-se aliviadas por irem morar para uma zona mais segura.
“Sentia medo. Queria sair de lá. Tenho medo. Quantas vezes as pessoas têm limpado aquela estrada e aquilo volta ao mesmo. Aquilo passa numa beirinha e eu fico com medo de não cair em seco para baixo. Só tenho é de agradecer”, conta a primeira, de 74 anos.
A segunda concorda. Reconhece que é “sempre difícil deixar a casa onde se vive”, no entanto “não existem condições para viver em paz”.
“Eu cá tenho medo. Tenho medo de passar na estrada e da rocha em cima. Quando passamos de autocarro era sempre de coração na mão à espera do fim da viagem. Virava sempre a cara para dentro. Eu por mim saio, não tenho problema”, confessa Filomena, de 75 anos.
Maria Filomena dos Santos também sempre residiu na Fajã das Galinhas. É a terra da família, onde cresceu e viveu e onde nunca sentiu medo, garante.
“Se caísse a rocha, não ia para a minha casa, porque graças a Deus moro numa zona onde me sinto bem”, afiança.
A mulher de 67 anos compreende, ainda assim, a retirada das pessoas, que deverá oferecer melhores condições aos mais velhos. Dá o exemplo da mãe e do marido, que necessitam de cuidados de saúde, muitas vezes impossibilitados devido ao isolamento da localidade na sequência das derrocadas.
Maria Filomena Santos não se opõe, por isso, ao realojamento, mas promete nunca abandonar a Fajã das Galinhas em definitivo: “Mesmo vivendo noutra zona, ainda hei de ir lá porque tenho lá as minhas coisinhas. Eu nunca vou abandonar a minha casa. Vou lá de vez em quando fazer uma limpeza e ver como estão as coisas. Eu trabalhei 40 anos para a minha casa. Foi preciso muito sacrifício”.
Em 17 de agosto, 120 pessoas foram retiradas do sítio, na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, nas zonas altas do concelho, devido às chamas que cercaram a zona e tornaram intransitável a única estrada de acesso, numa extensão de cerca de dois quilómetros ao longo de uma escarpa.
No sábado, o autarca de Câmara de Lobos afirmou que a Fajã das Galinhas não oferece condições de segurança para as pessoas poderem regressar às suas casas e adiantou que a autarquia vai iniciar brevemente a construção de 30 moradias num investimento de 7,5 milhões de euros na zona do Castelejo, próxima da Fajã das Galinhas, localidade que não oferece riscos.
O projeto não é novo, tendo sido desenhado no ano passado aquando da estratégia local de habitação onde a Fajã das Galinhas já tinha sido sinalizada como sendo de elevado risco, sublinhou.
O presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque, já corroborou a decisão, afirmando que o executivo insular pretende realojar os moradores da Fajã das Galinhas numa “zona mais confortável”, já que o sítio permanece isolado na sequência do incêndio.
Lusa