A versão consta do Requerimento de Abertura de Instrução (RAI), a que a agência Lusa teve hoje acesso, no qual o arguido pede para não ser pronunciado (não ser levado a julgamento) na instrução, fase facultativa em que um juiz de instrução criminal vai decidir se o processo segue para julgamento e que irá decorrer no Tribunal de Instrução Criminal de Sintra.
“A autópsia da vítima [Luís Teles] refere que o disparo foi feito a curta distância (de contacto), facto que, ao lado de outros, permite sustentar a tese de suicídio. Mas, mais significativo, pode ler-se [no relatório da autópsia] que ‘não é possível, com segurança, distinguir entre etiologia suicida e homicida’”, refere o RAI, assinado pelo advogado Paulo Mendes dos Santos.
Segundo o advogado de Deisom Camará, o laboratório da Polícia Judiciária (PJ) civil indica que a análise das amostras da vítima "não revelou resultados significativos quanto à presença de partículas características ou consistentes com resíduos de armas de fogo”, concluindo que, “deste resultado, nada se pode inferir, ao contrário do relatório" da PJ militar.
“Duas provas periciais, uma que aproveita à acusação e outra à defesa do arguido. Como resolver? Apelando ao princípio da presunção da inocência e, assim, concluir-se, quanto à presença de partículas características ou consistentes com resíduos de armas de fogo, que nada se pode inferir”, defende Paulo Mendes dos Santos.
O RAI recorda um caso de um antigo militar dos Comandos que se tentou suicidar com uma G3, para contrapor a argumentação da acusação do Ministério Público (MP), a qual sustenta que, “atentas as características da arma, sobretudo o comprimento do cano, longo, torna-se manifestamente improvável a ação de disparo sobre o próprio, na zona do coração”.
Nesse sentido, entende Paulo Mendes dos Santos que “é profundamente decisivo” ouvir este antigo soldado que se tentou suicidar nas instalações do Regimento de Comandos, razão pela qual requereu a sua inquirição na fase de instrução, para se concluir se é ou não “manifestamente improvável a ação de disparo sobre o próprio na zona do coração”.
O RAI recupera declarações de algumas testemunhas ouvidas em fase de inquérito, nomeadamente as de um sargento “amigo próximo” de Luís Teles que declarou que “a vítima teria sido notificada do resultado positivo nos testes toxicológicos, tinha alguns problemas económicos e estava psicologicamente afetada devido à morte do pai", dois anos antes.
O advogado critica ainda o MP por ter deduzido acusação sem os resultados da perícia ao telemóvel de Deisom Camará.
“Mais gritante ainda é ter sido deduzida acusação sem se saber, desde logo, qual o teor da perícia ordenada ao telefone do arguido, ainda que tenham passado cinco meses sobre o requerido”, acusa Paulo Mendes dos Santos.
No seu entender, “a prova documental, ou qualquer outra, não demonstra qualquer intenção, motivo ou causa para que o arguido pudesse matar a vítima”, razão pela qual pede ao Tribunal de Instrução Criminal de Sinta que profira despacho de não pronúncia quanto ao seu constituinte.
A acusação MP relata que, às 18:23 de 21 de setembro de 2018, o soldado Luís Teles foi “de uma forma descontraída à casa da guarda de apoio ao paiol, onde estava de serviço Deisom Camará, onde ambos mantiveram conversa de teor não concretamente apurado”.
“Entre as 18:48 e as 18:56, por motivos não apurados, o arguido Deisom Camará empunhou a espingarda automática G3 que lhe estava adstrita em função do serviço de sentinela à casa do paiol que estava a executar, encostando-a ao peito da vítima, encontrando-se o soldado Teles Lima já no exterior da casa do paiol. Em ato contínuo, o arguido disparou a arma que empunhava, tendo atingido a vítima na região peitoral esquerda, que redundou na sua morte”, descreve a acusação.
O arguido, de 22 anos e em prisão preventiva desde 30 de novembro de 2018, está acusado dos crimes de homicídio qualificado e de detenção de arma proibida.