Segundo o relatório publicado pelo projeto Crime organizado: Resposta da África Ocidental ao tráfico (OCWAR-T, na sigla em inglês), "a venda de produtos médicos contrafeitos na África Ocidental vale mais do que o valor combinado dos mercados do petróleo e do tráfico de cocaína", sendo que a África Ocidental importa 95% dos seus medicamentos.
Devido ao mercado global e às sucessivas cadeias de abastecimento, torna-se difícil monitorizar a qualidade dos produtos farmacêuticos e rastrear as falsificações, mas sabe-se que existem quatro grandes fornecedores deste tipo de medicamentos em África: a China, a Índia, a Nigéria e o Gana, refere o OCWAR-T no relatório apresentado hoje num seminário virtual promovido pelo Institute for Security Studies.
A ineficácia da regulamentação, a débil aplicação da lei, a corrupção dos governos e de profissionais de saúde, assim como a escassez de recursos, contribuíram para que o mercado ilícito prosperasse na África Ocidental, e em todo o continente de um modo geral, sendo que os produtos médicos falsificados se tornaram num problema notável devido ao número de mortes e de pessoas que ficaram com doenças crónicas, foi afirmado no encontro.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), citada no relatório, este tipo de medicamentos são "produtos médicos de qualidade inferior e falsificados", porque a menor quantidade, ou inexistência, de um determinado componente influencia a sua eficácia.
Cerca de 90% dos países africanos têm uma capacidade mínima ou nula para regulamentar estes medicamentos, segundo a OMS.
A Guiné-Conacri tem um quadro legislativo específico que criminaliza o tráfico de produtos médicos e prevê penas de cinco a dez anos de prisão, mas é um país atípico entre os países da África Ocidental. O Burquina Faso, por exemplo, não tem uma lei nacional específica que criminalize o tráfico de produtos médicos ilícitos e, em vez disso, tem de recorrer a partes do código da saúde (por exemplo, conduta ilegal dos farmacêuticos) e ao código penal mais amplo (por exemplo, contrafação de bens), o que significa que as penas não podem exceder os dois anos, refere-se no documento.
Outro fator que dificulta ainda mais esta regulamentação é o facto de os mercados lícito e ilícito se cruzarem, na medida em que a origem do fármaco até poder ser válida, mas poder acabar no mercado negro e tornar-se ilícito, nomeadamente pelo seu prazo de validade ter expirado.
No Burkina Faso e na Guiné-Conacri, os medicamentos contrafeitos chegam ao país através do porto de Conacri, mas alguns comerciantes também entram em contacto direto com fábricas ilegais na Índia, declarou o OCWAR-T.
Do porto da capital da Guiné-Conacri, partem, em camiões, para outras nações africanas, sendo assim disseminados, acrescentou.
Outro fenómeno que tem crescido em África, devido à falta de medicamentos, é a passagem do mercado ilícito para o lícito. De uma forma geral, este fenómeno já foi documentado na Guiné-Conacri e no Burquina Faso, bem como noutros países como a Nigéria, o Togo, o Benim e o Gana, onde os farmacêuticos compram medicamentos a produtores ilegais, declarou o representante da União Europeia em Abuja, Enobong Moma.
Todavia, as farmácias em África são poucas e, devido ao baixo número de medicamentos disponíveis, são caras. Por isso, "os guineenses confiam mais nos vendedores ambulantes, que lhes vendem os produtos mais baratos e sem fazer grandes questões", explicou a analista da região do Sahel Flore Berger.
O mercado ilícito não se limita a produtos médicos de valor elevado ou a marcas bem conhecidas, mas divide-se "quase equitativamente entre produtos genéricos e patenteados. Os produtos variam entre hormonas caras, produtos médicos oncológicos e genéricos baratos como o paracetamol", segundo o relatório apresentado.
Os produtos são alegadamente 30-50% mais baratos no mercado ilícito, mas podem ser vendidos aos consumidores ao preço normal, afirmou Flore Berger.
Este projeto de combate ao crime organizado foi aprovado pela Comissão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, e apoiado pela Comissão Europeia.
Lusa