Lembram também que o paradigma de proibição da venda e consumo de cannábis não teve efeito na redução do seu consumo, “que continua a aumentar e tende a normalizar-se socialmente”, e que a venda de no mercado ilegal “está a provocar um efeito perigoso em termos de saúde, devido ao aumento descontrolado e contínuo” da potência da percentagem de THC, a componente psicotrópica da planta.
Os signatários dizem-se conscientes das reformas legislativas no Canadá, Uruguai e em vários estados dos EUA “que levaram à regulação da cannábis e têm já muitos anos de avaliação” e, reconhecendo que não se trata de uma substância inócua, propõem cinco princípios para a “regulação responsável”.
Assim, defendem que os objetivos devem ser definidos “de forma clara e partilhada”, sublinhando que “regular a cannabis deve servir para defender a saúde e combater a criminalidade, financiando esses objetivos com os impostos sobre o setor” e que as medidas concretas devem fazer “com que o consumo migre do mercado ilícito para o mercado controlado”.
No principio da proteção da saúde defendem que a legislação a criar deve definir uma idade mínima de consumo, limitar o nível máximo de THC dos produtos vendidos, definir regras sobre o cultivo e produção orientadas para a proteção da saúde e do meio ambiente e proibir e punir a condução de veículos e máquinas sob o efeito da cannabis e equipar as forças de segurança com os meios necessários para o respetivo controlo.
Deve ainda ser criada a obrigatoriedade de, no ponto de venda, haver informação para o consumidor sobre o conteúdo e os riscos dos produtos, “designadamente os riscos de dependência, as formas para reduzir o risco e as alternativas para tratamento, através da indicação das organizações e dos serviços públicos a contactar”.
Para combater o mercado ilícito o manifesto defende que a legislação a aprovar deve “conter medidas para um estrito controlo das pessoas singulares e coletivas envolvidas no cultivo, produção, distribuição e venda de cannabis” e medidas de “rastreabilidade do produto desde a semente à venda final.
Na área fiscal, os signatários do documento hoje divulgado consideram que a legislação deve “criar um imposto especial sobre a cannabis que tenha o duplo objetivo de arrecadar receita, mas também de modelar os padrões de consumo”, por exemplo, criando um preço mínimo e tributando de modo progressivo produtos com concentrações de THC mais altas.
Consideram ainda que parte da receita fiscal arrecadada deve ser consignada ao reforço da prevenção de novos consumos e ao investimento no dispositivo de redução de riscos e minimização de danos, bem como aos meios responsáveis pelo tratamento.
“A intervenção dos impostos no preço da cannabis deve ter em atenção o delicado equilíbrio entre o objetivo de eliminar o mercado ilícito — o preço da cannabis legal tem de competir com os preços do mercado ilícito de forma a incentivar a transição dos utilizadores para o mercado regulado — com o objetivo de prevenção geral”, escrevem.
Finalmente, defendem que se deve “regular gradualmente” e “avaliar periodicamente”, considerando que a regulação do uso responsável da cannabis “deve assentar numa ideia de gradualismo e avaliação regular” para “permitir o ajuste das políticas em resposta à evolução médico-cientíca”.
Neste sentido, propõem que num primeiro momento sejam consensualizadas as formas de produção e as formas de apresentação autorizada cujo consumo seja potencialmente mais perigoso.
“Pelas mesmas razões, pelo menos num primeiro momento, devem ser restringidas as importações de produto final”, acrescentam os responsável, propondo a criação de “uma estrutura transversal de acompanhamento contínuo da nova política de regulação do consumo responsável da cannabis, a funcionar em princípio no SICAD, mas sempre com o reforço de meios”.
A legalização da cannabis está em discussão na Assembleia da República, designadamente na Comissão de Saúde, com projetos de lei apresentados por pelo Bloco de esquerda e pela Iniciativa Liberal.