“Compreendemos que as pessoas, no início [em 2005] tivessem algum receio, não quisessem investir numa coisa que não sabiam o que poderia ser, que nunca tinha sido feita em Portugal, que era feito num número relativamente pequeno de países no mundo (…). Mas 18 anos depois já dá para acreditar que vale a pena investir”, disse Henrique Barros, lamentando que isso não esteja a acontecer.
Desde 2005 que o projeto de investigação Geração 21 se dedica ao acompanhamento de uma coorte de cerca de 8.647 crianças e famílias recrutadas em maternidades públicas.
Foi criado com o intuito de caracterizar o desenvolvimento pré-natal e pós-natal, identificando os seus determinantes, no sentido de melhor perceber o estado de saúde na infância, na adolescência e na idade adulta.
Partindo de uma avaliação inicial ao nascimento, os participantes foram sendo avaliados aos 6, 15 e 24 meses, e aos 4, 7, 10, 13 e 18 anos de idade.
Cada pessoa que participa apresenta diversidade de experiências, diferentes classes sociais, locais de habitação, hábitos alimentares, experiências de vida, entre outros aspetos.
Em declarações à agência Lusa, o presidente do ISPUP falou da riqueza dos dados reunidos até agora, dados que já ajudaram a realizar vários estudos.
Um desses estudos foi o SEPIA [acrónimo de ‘Studying Experiences of Pain In Adolescents’, em português “Estudo de experiências de dor em adolescentes”], que teve como objetivo identificar características-chave da dor física durante a adolescência que permitam prever o risco de desenvolver dor musculosquelética crónica na transição para a vida adulta, que é apresentado hoje no Porto.
“Se não tivermos alguém que abra a porta de uma biblioteca, o conteúdo riquíssimo daquela biblioteca não serve para nada. Com esta investigação acontece o mesmo. A recolha de informação é tão grande, a capacidade de a revisitar, de a reavaliar à luz de conhecimentos novos é tão imensa que, de facto, parar e não continuar a financiar uma estrutura destas é como fechar uma biblioteca”, disse Henrique Barros.
A criação de coortes de nascimento com o objetivo de estudar o desenvolvimento das pessoas ao longo dos anos começou em Inglaterra no fim da II Guerra Mundial, descreveu Henrique Barros.
À Lusa, o presidente do ISPUP contou que “o impacto dos acontecimentos, a brutalidade da guerra, fez com que as pessoas se preocupassem em saber se aquelas crianças iam ter um futuro modificado pela experiência dos pais e pelo contexto em que nasciam”.
Na Inglaterra, as pessoas voltaram a ser avaliadas com mais de 70 anos e muitas delas continuam a fornecer informação.
“Em Portugal também surgiram muitas curiosidades. A principal foi, na época [de criação da coorte Geração 21 portuguesa] a obesidade, mas entretanto já se estudou muito mais (…). A dor, a exposição a ecrãs, o bullying, o impacto dos poluentes”, exemplificou.
Desde que as crianças da coorte nasceram, Portugal viveu uma crise económica e financeira: “Que efeito é que isso teve na trajetória de vida destas crianças?”, questionou.
Segundo o responsável, “não há razão nenhuma” para se parar agora: “Temos capacidade, com a generosidade destas pessoas e com a qualidade do nosso trabalho, de perceber o que é o envelhecimento. Mas só se o estudo não parar”.
Este tipo de projetos existe em “uma dúzia” de países europeus e “num ou noutro” país da América Latina.
Decorrem estudos semelhantes ao português em Bristol (Inglaterra), Copenhaga (Dinamarca) e Roterdão (Holanda).
“A importância disto não é limitada a Portugal. Podemos perceber e partilhar experiências e observações, compreender as diferenças e, no futuro, perceber melhor o impacto da grande mobilidade das populações no espaço europeu”, notou.
Salvaguardando que o projeto tem recebido “algum apoio afetivo que é muito importante, mas pouco apoio efetivo”, Henrique Barros recordou que “este trabalho implica muita gente, muita organização e isso implica muito dinheiro”.
“O estudo só foi verdadeiramente financiado no início, há 18 anos [no âmbito dos fundos europeus conhecidos como Saúde 21]. Nessa altura conseguimos fazer tudo isto com um décimo do dinheiro com que [a equipa de] Bristol fazia. A diferença era um para 10. Ao longo de todo este tempo, as instituições portuguesas nunca financiaram verdadeiramente isto. Vivemos sempre com uma enorme instabilidade”, lamentou Henrique Barros.
Na quinta-feira, em declarações à agência Lusa em antecipação da apresentação de hoje, também a investigadora do ISPUP e coordenadora do projeto SEPIA, Raquel Lucas, contou que o futuro do projeto depende de financiamento.
“Gostávamos muito de caracterizar as respostas à dor nas próximas idades. Ver o que acontece quando estes jovens atingirem a idade adulta e começarem a trabalhar. Mas isto depende de financiamento”, disse a investigadora.
Lusa