“O Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos tem dito repetidamente que tem de se estudar todas as pessoas que estão internadas para perceber exatamente que variante está em causa”, disse António Diniz em entrevista à agência Lusa.
Segundo António Diniz, o aparecimento de uma nova variante, a Delta, associada à Índia, vem perturbar o processo normal de vacinação que estava a decorrer e “vem obrigar a repensar o jogo” porque é uma estirpe “mais resistente” às vacinas e mais transmissível.
Esta situação pode explicar a subida dos contágios, principalmente na região de Lisboa e Vale do Tejo, e o facto de haver pessoas vacinadas que estão a ser novamente infetadas pelo coronavírus SARS-CoV-2.
O membro do Gabinete de Crise da OM recordou um estudo divulgado em maio pelo Public Health England (PHE) no Reino Unido que comparou a variante Delta e a Alpha, associada à Inglaterra, em relação às duas vacinas que utilizam, AstraZeneca e Pfizer.
Quando administraram apenas uma dose destas vacinas concluíram que a sua eficácia na variante Delta era de 30% relativamente à variante Alpha.
No caso da vacinação com as duas doses, verificou-se que a vacina da Pfizer foi 88% eficaz contra a variante Delta (93% na variante inglesa), enquanto a da AstraZeneca foi 60% eficaz (66% na Alpha).
“A verdade é que quando temos uma vacina que apenas protege em 60% não nos sentimos muito confortáveis com esse resultado e, portanto, isso pode explicar também um dos problemas que esta nova variante Delta vem colocar”, salientou.
A comissária europeia para a Saúde disse na terça-feira que estão a surgir provas que demonstram que a variante Delta do Coronavírus SARS-CoV-2 “diminui a força do escudo protetor” criado pelas vacinas, instando à aceleração da vacinação completa da população.
“Têm surgido provas de que as variantes – nomeadamente a variante Delta – diminuem a força do escudo protetor fornecido pelas vacinas, especialmente quando a vacinação ainda não é completa. É, portanto, crucial que o maior número possível de cidadãos seja vacinado contra a Covid-19, e que seja totalmente vacinado o mais rapidamente possível”, disse Stella Kyriakides.
Para António Dinis, há vários fatores que podem ser repensados, avançando que “um deles já está atualmente aceite que é de quem fez uma primeira dose da vacina da AstraZeneca fazer uma segunda dose com uma vacina por RNA mensageiro como, por exemplo, a da Pfizer”.
“Não só se ganharia alguma coisa em termos de capacidade face a esta variante Delta como se ganhava também em termos de tempo”, porque o espaçamento entre doses é de quatro semanas no caso da Pfizer e de três meses na vacina da AstraZenena.
Contudo, salientou, “até agora, a evolução na frequência dos casos não se tem refletido da mesma forma, com igual intensidade, nos internamentos”.
No entanto, esta situação levanta um problema nos serviços de saúde que estavam numa fase em que tinham recuperado a sua atividade normal.
“Ter que estar a abrir novamente outras enfermarias para internamento de pessoas com Covid-19, inevitavelmente torna-se numa situação penosa, sobretudo, pela desorganização que vai induzir nos serviços”, lamentou.
Esta situação, sustentou, vai traduzir-se novamente, “em menor atenção” a outras áreas igualmente importantes e que “estão particularmente carenciadas”, nomeadamente os doentes não-Covid.
Apontou ainda “outro problema” que pode levantar algumas questões localmente: “Enquanto estávamos em estado de emergência não houve saída de pessoas no Serviço Nacional de Saúde (…) mas agora há vários hospitais onde, com a cessação dessa situação, as pessoas já abandonaram o SNS, o que se vai traduzir na necessidade eventualmente de um reforço nalguns locais”.
António Diniz defendeu também que as “linhas vermelhas” traçadas para o processo de desconfinamento têm de ser repensadas para perceber se precisam de “algum ajuste”, porque agora “a situação é inversa”.
“A linha vermelha traduz o limite a partir da qual se terá de proceder a alterações profundas” e, por isso, defendeu, deviam ser criadas “linhas intermédias” que dissessem “mais sobre a tendência evolutiva” para possibilitar uma “maior elasticidade” e evitar chegar à “linha vermelha”.
O Gabinete de Crise também tem defendido uma mudança na matriz de risco por considerar está “desajustada” em relação à realidade atual.
“A realidade que temos é diferente (…) e, portanto, essa matriz deve contemplar não só a incidência, mas também a gravidade e outros fatores”, como os internamentos, as características da nova variante, porque senão corre-se o risco de “cometer erros por excesso, provavelmente”, advertiu.
Para António Diniz, são esses fatores que vão dar o balanço para se perceber se se pode ou não “abrir mais a sociedade”.