Dois anos depois do início da pandemia de covid-19, os portugueses voltaram a comemorar a Revolução dos Cravos na Avenida da Liberdade sem receios e limitações. Era preciso procurar durante bastante tempo e com atenção para encontrar alguém de máscara, um cenário que contrastava com o desfile sob restrições e com menos participação de há um ano, e com a avenida completamente vazia em 2020.
Com cravos nas mãos, ao peito, nas mochilas ou a adornar as bandeiras, milhares de pessoas regressaram às ruas para celebrar o 48.º aniversário do 25 de Abril, sem esquecer a evocação do passado, mas este ano com especial atenção à guerra na Ucrânia.
A “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, foi intercalada pelas palavras de ordem “paz sim, guerra não”, repetidas ao longo de todo o desfile.
Em 2020, ficou célebre uma fotografia da agência Lusa em que Carlos Alberto Ferreira percorreu a Avenida da Liberdade deserta com uma enorme bandeira de Portugal, enquanto o país estava fechado em casa por causa da pandemia.
Carlos Alberto Ferreira morreu há quase um ano, mas uma outra enorme bandeira voltou a sair à rua, desta vez pelas mãos de Alfredo Fernandes, que assegurou à Lusa que não veio “para tomar o lugar de ninguém”, apenas para fazer parte das comemorações.
Com 94 anos, Alfredo “estava a dormir” quando começou a Revolução dos Cravos e nesse dia foi trabalhar, mas, desde então, veio a todos os desfiles, ano após ano, para celebrar a liberdade.
O dono da bandeira disse que consegue fazer uma boa comparação entre a ditadura e a democracia e que chega sempre à mesma conclusão: “Isto agora é um paraíso, mas podia estar um pouco melhor”.
Mais à frente, Adriana Anes, de 40, caminhava acompanhada pela filha. Vem desde que se lembra ao desfile por um simples motivo: “Fascismos nunca mais”.
Um mar de pessoas, sem máscaras à vista “é uma alegria”, o que “contrasta com aquilo” que se vive “hoje em dia”.
E se Alfredo e Adriana são já “veteranos” nestas andanças, Pedro Leitão, de 20 anos, é “caloiro” no desfile: “É um momento de expressão da nossa liberdade e daquilo que somos. Estou a gostar”.
Avenida acima, avenida abaixo, Tiago Coimbra, com um cartaz com o amarelo e azul cores da bandeira da Ucrânia, onde se lia “somos todos ucranianos”, irrompeu pelas declarações aos jornalistas dos representantes políticos presentes no desfile para mostrar o seu cartaz.
“Estamos a comemorar a liberdade. A de cá e a dos outros. É algo completamente irracional que neste dia algumas forças políticas sejam tão defensoras de um agressor. Esquecem-se da liberdade que estão a comemorar”, explicitou.
Tiago Coimbra disse que recebeu várias demonstrações de apoio enquanto estava a percorrer a Avenida da Liberdade, mas assumiu que, como “era expectável”, ao “pé da comitiva do PCP” não foi “lá muito bem recebido”.
Ainda no início do desfile, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, disse que a grande participação esta tarde era um “belo exemplo” de que “o povo continua a amar Abril”.
Questionado sobre a posição do PCP em relação à invasão russa na Ucrânia, o dirigente comunista ficou visivelmente irritado e criticou a insistência dos jornalistas, reconhecendo, no entanto, “que houve de facto uma intervenção que nunca devia ter havido”.
“Ainda bem que estão aí manifestantes com bandeiras da Ucrânia. Estão bem aqui, neste espaço de liberdade”, sublinhou.
A coordenadora do BE, Catarina Martins, foi questionada sobre a posição do PCP em relação ao conflito, respondendo que o partido respeita “a pluralidade de opiniões em todos os momentos”, acrescentando que esse foi um dos valores conquistado com a revolução.
Por seu turno, o secretário-geral adjunto do PS, João Torres, considerou que a celebração demonstra que “os valores de Abril” atravessam gerações e a dimensão do desfile transporta uma “mensagem de esperança”.
Quando os discursos finais decorriam no Rossio, a Iniciativa Liberal aguardava no Marquês de Pombal para iniciar a sua descida da avenida que pela segunda vez consecutiva decidiram fazer em desfile próprio.