"Temos de procurar juntos um projeto de país que abarque a todos e que passa por mudar este modelo, que gerou injustiça e violações de direitos humanos. […] Qualquer solução tem de respeitar a dignidade da pessoa humana, as liberdades e procurar o bem comum para os venezuelanos”, disse Maria José González em entrevista à agência Lusa, em Lisboa.
“Tem de passar por um processo de reconciliação. Neste momento, há uma grande polarização do país, mas o importante é que possamos somar para ver como saímos desta gravíssima crise que está a afetar muitas pessoas e a custar muitas vidas cada dia”, acrescentou.
A diretora da Cáritas de Los Teques, capital do Estado de Miranda, e delegada da Cáritas da Venezuela está em Portugal desde 03 de setembro para agradecer a cooperação da organização congénere portuguesa no combate à subnutrição infantil, dar conta da situação no terreno e visitar as comunidades de portugueses regressados para a Madeira, Aveiro e Lisboa.
Segundo Maria José González, no terreno, a situação dos venezuelanos agrava-se a cada dia, com particular incidência nas populações mais vulneráveis, nomeadamente crianças e idosos.
“Isso é evidente no número de pessoas que chega aos nossos centros. São idosos e crianças que aparecem subnutridos. Com a ajuda da Cáritas Internacional e da Cáritas portuguesa, que participou com 50 mil euros, atendemos já cerca de 13 mil crianças”, disse.
A responsável da Cáritas da Venezuela disse ainda que continuam a ocorrer “muitas mortes por falta de medicamentos e cuidados médicos” e assinala a vulnerabilidade dos emigrantes forçados, que segundo adiantou, passam por “condições infra–humanas” junto das fronteiras, onde ficam sujeitos às redes de tráfico e exploração laboral.
Maria José González explicou que é nestas três áreas que se tem desenvolvido o trabalho das Cáritas, mas assinalou igualmente como preocupantes a destruição de empregos e a perda de poder de compra.
“Temos uma grande falta de comida e uma grande perda de poder de compra. A FAO reflete precisamente isso num relatório, saído hoje, e que diz que na América do Sul 39 milhões de pessoas têm fome, e esses 39 milhões de pessoas estão grandemente afetados pela crise que se vive na Venezuela”, disse.
A responsável enfatizou o papel da Cáritas no acompanhamento aos “que sofrem mais” e no salvamento “do maior número de vidas”, mas, também no “evidenciar de que é uma responsabilidade do Estado garantir os direitos de todas as pessoas”.
Considerou que a reconciliação necessária começará no terreno, entre as comunidades mais pobres, onde Maria José González afirma ter encontrado os “maiores sinais de esperança”.
“As pessoas, mesmo no meio da sua pobreza, conseguem partilhar”, disse, dando como exemplo um projeto da organização em que é possível comer na comunidade juntando o que cada um tem.
Ainda assim, Maria José González sublinha a necessidade de tomar medidas nas áreas da saúde, alimentação e trabalho sob pena de se agravarem as tensões sociais e o país mergulhar numa situação de violência generalizada.
“Continuam a perder-se postos de trabalho, há perda de poder de compra, faltam serviços públicos como água, eletricidade, gás… Vai-se empobrecendo tudo e o agravar da crise é um cenário possível”, disse.
Maria José González considera que os subsídios atribuídos pelo Estado a pessoas vulneráveis e o programa de incentivo ao regresso de emigrantes, que estão a ser implementados, não são soluções para uma crise que é estrutural.
“Não resolvem uma crise estrutural que tem a ver com um problema económico, com os rendimentos do petróleo, com a crise do poder de compra, com o desemprego. É uma crise que se instalou pouco a pouco e que resulta de uma situação que começou por ser política e que já afeta todas as áreas do país”, disse.
“Não se sai desta crise de um dia para o outro como não se chegou a esta crise de um dia para o outro”, reforçou.
LUSA