“É uma doença que vai entrar no nosso conjunto de doenças, com as quais nós vivemos e haverá fases piores e fases melhores para essa doença, na melhor das hipóteses. A pior das hipóteses seria haver uma variante nova em que voltássemos quase ao ‘início do jogo’, mas que não está, obviamente, em cima da mesa”, afirma Carla Nunes em entrevista à Lusa.
Segundo a epidemiologista e matemática, “o que interessa é continuar a fazer genotipagem e toda a vigilância epidemiológica” do vírus, no sentido de se “garantir que as variantes que estão a aparecer são sempre dentro do mesmo âmbito de todas as variantes” de preocupação que já foram reportadas pela classe científica.
Confrontada com a atual evolução da pandemia em Portugal, onde confluem uma elevada taxa de vacinação na população e números ainda expressivos de novas infeções e mortes diárias, a responsável da ENSP da Universidade Nova de Lisboa – uma das especialistas que esteve sempre presente nas reuniões com políticos no Infarmed – mostra-se, sobretudo, preocupada com a dimensão da mortalidade, permanentemente acima da dezena de óbitos nas últimas semanas.
“A mortalidade ainda mantém alguma grandeza”, nota, realçando a importância de “explorar muito bem quem são as pessoas que estão a morrer” da doença atualmente. “Se são pessoas que têm comorbilidades, se são pessoas mais velhas, há quanto tempo foram vacinadas”, observa Carla Nunes, salientando que “é preciso fazer uma análise muito fina sobre os mortos” e que isso pode remeter para a questão da terceira dose.
Para a líder da ENSP, a administração de uma terceira dose justificar-se-á perante os estudos que indiquem que a imunidade de certos grupos de pessoas “já desceu a um determinado nível”. No entanto, argumenta Carla Nunes, este “não é somente um problema de Portugal” e lembra os alertas que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem feito sobre esta matéria.
“Se nós deixarmos que noutros países não haja vacinação, vai aparecer com mais facilidade uma variante que, mesmo numa perspetiva egoísta, nos vai afetar. É bom que nos preocupemos com o globo, porque aí é mais fácil haver novas variantes que põem em causa todo o nosso pseudo-equilíbrio nacional e, portanto, mais do que a terceira dose – que tem de ser vista para os grupos onde se começar a verificar maior mortalidade de casos graves -, vamos ter um problema se não conseguirmos tratar da saúde pública global”, garante.
Já sobre as reinfeções por covid-19, ainda pouco documentadas desde o início da pandemia, a especialista sustenta que “a própria definição de reinfeção não é simples” e que o intervalo de tempo ou as novas variantes podem influenciar de forma decisiva a questão, mas defende que vão aparecer “cada vez mais reinfeções” na população.
“Tem de haver um período de tempo suficientemente grande para ser considerada uma nova infeção. E depois ainda temos o problema de variantes diferentes: quem teve covid-19 no ano passado teve, provavelmente, a variante Alfa e, neste momento, quem tem covid-19 tem outra variante”, refere, concluindo que faltam ainda estudos sobre esta vertente da pandemia.
Em Portugal, desde março de 2020, morreram 17.757 pessoas e foram contabilizados 1.039.492 casos de infeção confirmados, segundo dados da Direção-Geral da Saúde.