Depois de muitas décadas de neutralidade e na sequência da invasão russa da Ucrânia, iniciada a 24 de fevereiro, os dois países nórdicos estão a discutir uma possível adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
“Isto vai reforçar aquilo que é uma divisão clara entre o continente europeu” e a Rússia, afirmou à agência Lusa a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-Nova) Ana Santos Pinto.
“A Finlândia e a Suécia entram nesta dimensão de defesa, onde não estavam até agora, e reforçam esse pilar euro-atlântico”, apesar de isso ir contra as expectativas da vizinha Rússia, para quem “a Aliança Atlântica [NATO] e a União Europeia constituem uma ameaça existencial”, explicou.
Uma mudança que, como referiu a também investigadora do IPRI Patrícia Daehnhardt, “faz sentido”.
“Na realidade, aquilo a que estamos a assistir desde o dia 24 de fevereiro [quando a Rússia invadiu a Ucrânia] é o colapso da ordem de segurança na Europa”, disse.
Nesse contexto, “faz sentido que Estados que, até agora, tinham adotado uma postura de neutralidade, considerem a necessidade de redesenhar novos equilíbrios”, defendeu Patrícia Daehnhardt, sublinhando que a adesão dos dois Estados nórdicos também pode funcionar como “uma forma de aumentar a própria segurança dos países bálticos [Estónia, Letónia e Lituânia]”.
A inclusão da Finlândia e da Suécia na NATO “representa um aumento da segurança não apenas dos três pequenos Estados bálticos como de toda a Aliança Atlântica”, apesar de “haver um aumento da própria fronteira da NATO relativamente à Rússia”, adiantou.
Toda esta redefinição terá, no entender da analista, consequências em termos da posição da Rússia.
Lembrando que a ameaça de uso de armas nuclear feita pela Rússia caso os dois países nórdicos entrem para a NATO é “uma hipótese em cima da mesa”, a investigadora defende que o ocidente “tem de se preparar para o pior cenário, o que inclui uma possível invasão e agressão da Moldávia ou da Finlândia ou uma operação no Mar Báltico, onde a Rússia tem navios e dos quais pode lançar um ataque que seja visto como um aviso”.
O vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitri Medvedev, ameaçou, no passado dia 14, com o destacamento de armas nucleares no Báltico se a Suécia e a Finlândia aderirem à NATO.
“Será necessário reforçar o agrupamento de forças terrestres, defesa antiaérea, destacar forças navais significativas nas águas do Golfo da Finlândia. E, então, já não poderemos falar de um Báltico sem armas nucleares. O equilíbrio deve ser restabelecido”, afirmou Medvedev.
Embora reconheça que a Rússia irá reagir à possível adesão da Finlândia e Suécia à NATO, Ana Santos Pinto prefere não projetar as consequências.
“Não sei exatamente que consequências serão, mas a verdade é que estamos a falar, em particular no caso da Finlândia, de um país que tem fronteira com a Federação Russa – e a Suécia também no seu sentido mais a norte – e, portanto, isto entra por aquilo que nós chamamos o Mar da Noruega e aquela que é a zona do Atlântico mais a norte e pela dimensão do Ártico. E isto tem consequências para a Federação russa, naturalmente”, disse.
A Rússia lançou, na madrugada de 24 de fevereiro, uma ofensiva militar na Ucrânia sob o pretexto de querer defender os cidadãos que falam russo na região de Donbass controlada em parte por separatistas pró-russos. Poucos dias antes o Presidente russo, Vladimir Putin, tinha aprovado o reconhecimento da independência das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Lugansk.
A Rússia, que já tinha anexado a Crimeia em 2014, foi acusada de planear a invasão, o que sempre negou. Argumentou, por outro lado, que a expansão da NATO desde 1997 é uma “ameaça à segurança” do país e, por isso, exigiu que a Aliança Atlântica impedisse a entrada da Ucrânia na organização.
A invasão foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e a imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca ao desporto.
“Parece-me claro que não podemos confiar naquilo que a Rússia diz. A Rússia afirmou que se trataria apenas da questão da região do Donbass e os ataques sucessivos que a Rússia tem feito a diversas cidades, inclusive Kiev e Lviv, na parte ocidental, junto da fronteira com a Polónia, demonstram que a Rússia diz uma coisa e, na realidade, faz outra”, considerou Patrícia Daehnharddt.
A guerra na Ucrânia criou também uma crise de refugiados na Europa. Mais de 12 milhões de pessoas fugiram dos combates, cerca de 5,16 milhões das quais para fora do país, segundo a ONU, que a classificou como a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Quanto à evolução do conflito, Ana Santos Pinto considera mais provável que a Rússia leve a cabo uma “guerra prolongada e de desgaste na Ucrânia” do que se envolva em várias operações.
“A Federação Russa, mesmo no território da Ucrânia, já percebeu que ter um confronto com várias frentes não lhe é favorável e por isso é que agora se concentra na região do Donbass”, afirmou, acrescentando que “a Rússia tem capacidade para aguentar este conflito durante muito tempo”.
Ainda assim, a investigadora alerta para o período de tensão que vai implicar a eventual entrada da Finlândia e da Suécia na NATO, a começar logo nas negociações.
“Esse pedido de adesão tem de ser formalizado à Aliança Atlântica e depois tem de ser aceite por unanimidade por todos os Estados-membros”, mas “só esse processo já gera algumas consequências”, defendeu.
“Este período negocial será, naturalmente, de uma grande tensão política entre estes dois Estados, os aliados euro-atlânticos, por um lado, e a Federação Russa, por outro”, concluiu.
Lusa