A medida foi lançada no final de setembro e menos de um mês depois já tinham sido pedidos 3.690 cheques e atribuídos 2.355.
Entre aqueles que já tiveram a primeira consulta, as experiências são diversas, mas a maioria parece partilhar dificuldades relacionadas com a nova realidade que está a viver no ensino superior.
Quem o diz é, por exemplo, Diogo Lima, um dos psicólogos inscritos na bolsa de profissionais constituída pela Ordem dos Psicólogos e que, desde a entrada em vigor da medida, já está a acompanhar três estudantes.
“Dois deles sofrem com uma das problemáticas que eu já antevia e que está relacionada com a ansiedade nos momentos de avaliação”, explicou à Lusa, referindo que muitas vezes a pressão, imposta até pelos próprios, motiva picos de ansiedade.
O mesmo motivo levou também uma das pacientes de Rosana Milhomens a recorrer ao cheque-psicólogo, e a psicóloga relata que outro dos estudantes que está a acompanhar procurou ajuda para lidar com as dificuldades de relacionamento interpessoal.
Para muitos estudantes, ingressar no ensino superior implica a adaptação a um ambiente totalmente novo: nova escola, novos professores, novos colegas e, muitas vezes, numa cidade diferente, sem a família e amigos.
Essa adaptação pode ser um desafio difícil, refere Diogo Lima, que explica que “tudo o que é uma novidade também acaba por trazer momentos de ansiedade”.
No âmbito da medida, anunciada pelo Governo ainda no verão, o estudante tem acesso a duas consultas iniciais de diagnóstico e, se cumprir os critérios, recebe depois os restantes 10 cheques.
Mas há situações que ficam de fora. Por exemplo, os alunos com necessidades educativas específicas, que apresentem comportamentos aditivos, com diagnóstico de perturbação psicótica ou bipolar, ou de perturbação da personalidade, pensamentos suicidas e sintomas com duração superior a um ano e meio.
Os critérios de exclusão já tinham sido criticados pela Rede de Serviços de Apoio Psicológico no Ensino Superior, mas também os psicólogos ouvidos pela Lusa que integram a bolsa constituída pela Ordem temem que, se seguirem as regras “à risca”, a maioria dos alunos poderá ficar de fora.
“Uma das alunas que estou a atender já tinha ansiedade antes e piorou agora, mas eu não vou deixar de a atender”, disse Rosana Milhomens, que acrescenta, por outro lado, que “a primeira queixa nem sempre é o que aparece depois ao longo das consultas”.
Ana Carvalhal de Melo já recebeu vários pedidos, mas ainda não iniciou as consultas. Ainda assim, conhece bem as dificuldades dos estudantes depois de ter trabalhado nos serviços da Universidade de Coimbra e concorda que os critérios são demasiado restritivos.
“É uma medida paliativa no sentido em que estamos a trabalhar um bocadinho já sobre os problemas que se instalam, mas aqueles que trazem mais disfunção e fazem com que, no futuro, possa ter problemas acabam por ser excluídos”, lamenta.
Apesar das limitações, os três consideram tratar-se de uma boa medida, mas reconhecem também que alguns casos poderão deixá-los com o dilema de aceitar ou não os estudantes.
“Eu posso estar contra os requisitos, e estou, mas são claros e quer o profissional quer o jovem que procura ajuda sabem quais são”, diz, por um lado, Diogo Lima.
Já Ana Carvalhal de Melo sente a responsabilidade de acompanhar o estudante enquanto não tiver outra resposta assegurada. “Não sei se isso faria de mim uma prevaricadora”, questiona.
Da parte da Ordem dos Psicólogos, a resposta é que a medida nunca poderia propor-se a responder a qualquer situação, porque existem limitações à partida.
“Há situações urgentes ou cuja complexidade ou gravidade exigem um trabalho ao nível de equipas multidisciplinares”, explicou o bastonário, Francisco Miranda Rodrigues, sublinhando que para esses casos existem outras respostas.
Por outro lado, o bastonário refere que foi uma exigência da Ordem que o cheque-psicólogo funcionasse como uma medida complementar e transitória, sem pôr em causa o investimento e o reforço de outras, como o programa para a promoção da saúde mental no ensino superior, lançado pelo anterior executivo.
“O melhor dos investimentos é, claramente, na prevenção e na promoção da saúde. Isso não se faz em intervenções clínicas individuais”, defendeu.
Lusa