Depois de as mais recentes sondagens terem antecipado uma vitória republicana para o Senado e para a Câmara dos Representantes (as duas câmaras que compõem o Congresso norte-americano), o comportamento eleitoral de muitos dos candidatos democratas tem surpreendido, levando analistas contactados pela Lusa a concluírem que o Governo do Presidente Joe Biden poderá suspirar de alívio, se vier a confirmar-se a continuidade do controlo do Senado.
“Joe Biden acaba por sair mais confortável destas eleições, pois num contexto muito difícil para o seu partido, resiste. Desta forma, poderá respirar de alívio e preparar, se assim o entender, uma recandidatura para 2024. Caso as coisas corressem muito mal ao Partido Democrata, não faltariam vozes internas a pedir a sua substituição no ‘ticket’ democrata”, explicou Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana.
Ainda assim, como disse à Lusa Felipe Pathé Duarte, professor e investigador da Nova School of Law, a previsível futura maioria republicana na Câmara dos Representantes poderá ser um obstáculo difícil para Biden.
“O controlo de qualquer uma das câmaras permitirá que os republicanos bloqueiem a agenda governativa de Joe Biden, pelos próximos dois anos, incluindo um potencial bloqueio da ajuda à Ucrânia – basta lembrar a posição do líder da minoria republicana da Câmara [dos Representantes], Kevin McCarthy”, lembrou à Lusa Pathé Duarte.
Este investigador e especialista em Relações Internacionais referia-se ao facto de McCarthy ter dito recentemente que, se o seu partido ganhar a maioria na Câmara dos Representantes, deixará de passar “cheques em branco” a Kiev.
Felipe Pathé Duarte acrescentou que os republicanos também poderão usar os poderes de revisão do Congresso para atrasar a aplicação de várias políticas do Governo de Biden, nomeadamente no setor energético, climático e até de posicionamento político no exterior.
Contudo, como lembra Nuno Gouveia, com a possibilidade de manter o controlo do Senado, e com um resultado dos republicanos aquém do que era esperado, os democratas poderão ganhar novo fôlego para a segunda parte do mandato de Biden.
E este poderá mesmo encarar uma recandidatura com mais tranquilidade, até porque o ex-Presidente republicano Donald Trump parece ser um dos derrotados da noite eleitoral.
“Vários candidatos ‘trumpistas’ perderam eleições (alguns por larga margem) em estados em que deviam ser competitivos, como no New Hampshire ou na Pensilvânia, o que deixa o antigo Presidente Trump menos confortável para a sua candidatura presidencial”, defendeu Nuno Gouveia.
“Já havia um sentimento dentro da máquina do Partido Republicano de que seria necessário Trump apresentar-se de cara lavada nas eleições de 2024 e os resultados conhecidos reforçam esse sentimento. Com uma inflação galopante, a pior queda nos salários em 40 anos e uma onda de criminalidade que varre as principais cidades da América, seria de esperar que os republicanos obtivessem vitórias confortáveis”, argumentou Gouveia.
Louise Drake, investigadora norte-americana na Universidade de Sussex, no Reino Unido, salienta, contudo, os dados de uma sondagem divulgada esta madrugada pela cadeia de televisão CNN, segundo os quais a maioria dos eleitores não parece apreciar uma recandidatura de Biden.
“Isto pode ser o sinal de que os eleitores, mesmo os que votaram no Partido Democrata, quiseram penalizar o posicionamento político do Partido Republicano, que consideram estar refém de Trump, mais do que deixar um sinal de aprovação a Biden”, explicou à Lusa Louise Drake.
Os principais vencedores para já conhecidos são, por isso, figuras do Partido Democrata que, em alguns casos, não são exatamente os mais firmes apoiantes do Presidente Biden, alguns correndo mesmo em pistas próprias, defendeu Drake.
Nuno Gouveia salientou igualmente o protagonismo de figuras democratas que conseguiram vencer e se procuram afirmar, apesar da fraca popularidade de Biden.
“Em termos de ‘rising stars’ do partido, atenção a dois nomes que saíram vencedores: o reeleito governador da Califórnia, Gavin Newsom, que já demonstrou interesse em concorrer a Presidente; e ainda o novo governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, que fez uma campanha brilhante e obteve quase 60% dos votos neste importante ‘swing-state’”, lembrou Nuno Gouveia.
Mas este especialista recordou ainda que, também dentro do Partido Democrata, outros nomes ficaram muito aquém do esperado, por terem sido copiosamente derrotados nas corridas para governadores: Stacey Abrams, na Geórgia, e Beto O’Rourke, no Texas.
“Do lado republicano, o grande vencedor até ao momento é o governador da Florida, Ron DeSantis, que derrotou de forma categórica o seu adversário democrata com quase 60% dos votos, reforçando assim a sua posição como grande favorito para defrontar Donald Trump nas primárias republicanas de 2024”, defendeu Nuno Gouveia.
Louise Drake não tem dúvidas de que o ex-Presidente republicano é uma das figuras derrotadas na noite eleitoral, embora assegure que não serão estes resultados que o irão demover de, nos próximos dias, apresentar a sua candidatura presidencial para 2024.
Nuno Gouveia diz que outro dos derrotados da noite foi Mitch McConnell, o líder da minoria republicana no Senado, se o seu partido não conseguir o controlo da câmara alta do Congresso.
“Ao não ter conseguido impedir que as primárias fossem dominadas pelos candidatos apoiados por Trump, terá perdido a hipótese de regressar ao lugar de líder no Senado. Possivelmente não terá outra oportunidade”, antecipou este especialista.
As eleições intercalares norte-americanas que decorreram na terça-feira determinarão qual o partido que controlará o Congresso nos dois últimos anos do mandato do Presidente Joe Biden, estando também em jogo, entre outros cargos, 36 governos estaduais.
Em disputa estão todos os 435 lugares na Câmara dos Representantes, onde os democratas atualmente têm uma estreita maioria de cinco assentos, e ainda 35 lugares no Senado, onde os democratas têm uma maioria apenas graças ao voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris.