A devolução do decreto ao parlamento foi anunciada através de uma nota no sítio oficial da Presidência da República na Internet logo depois de o Tribunal Constitucional ter divulgado que decidiu não se pronunciar pela sua inconstitucionalidade.
Marcelo Rebelo de Sousa afirma que com a decisão dos juízes "no sentido da não inconstitucionalidade" do decreto "ficam, deste modo, ultrapassadas as dúvidas quanto à certeza jurídica do regime aprovado, que estiveram na origem da ampla divisão na votação no parlamento".
"Na sequência da decisão do tribunal, o Presidente da República, que agradece a celeridade da decisão, decidiu, nos termos constitucionais, promulgar o decreto em causa", acrescenta-se na mesma nota.
Com origem numa proposta do Governo, o decreto que Reestrutura o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional foi aprovado na Assembleia da República em votação final global em 27 de outubro com votos a favor do PS e votos contra de todos os restantes partidos: PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP, BE, PAN e Livre.
O chefe de Estado anunciou o envio deste decreto para o Tribunal Constitucional em 17 de novembro, "dado tratar-se de matéria relativa a direitos fundamentais, que causou a divisão a meio do parlamento, por razões políticas e constitucionais" e "com o objetivo de certeza jurídica".
Na carta enviada ao Tribunal Constitucional, Marcelo Rebelo de Sousa pediu a fiscalização da constitucionalidade das normas deste decreto, que alteram o artigo 12.º da Lei de Organização da Investigação Criminal e o artigo 16.º da Lei de Segurança Interna, por violação "do princípio da separação de poderes" e "da autonomia do Ministério Público no exercício da ação penal" salvaguardados na Constituição.
Na fundamentação do seu pedido, o Presidente da República realçou que de acordo com este decreto o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI), "fica concentrado na figura do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna" – que nos termos da respetiva lei funciona na direta dependência do primeiro-ministro ou, por sua delegação, do ministro da Administração Interna.
"Na ausência de uma ressalva expressa, coloca-se a questão de saber, sem que isto implique qualquer juízo relativamente às personalidades que exerçam ou venham a exercer as funções de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, se uma tal concentração se pode traduzir, no futuro, no acesso a informações relativas a investigações criminais em curso e a matéria sujeita a segredo de justiça, o que violaria o princípio de separação de poderes", apontou.
Marcelo Rebelo de Sousa salientou que "a autonomia do Ministério Público em matéria de investigação criminal encontra-se constitucionalmente protegida no artigo 219.º da Constituição" segundo o qual "compete ao Ministério Público exercer a ação penal orientado pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática".
Na opinião do chefe de Estado, "a concentração dos poderes" relativos ao PUC-CPI "na figura do secretário-geral" do Sistema de Segurança Interna "poderá vir potencialmente a atingir esta competência do Ministério Público, assim violando a sua autonomia constitucionalmente protegida".
O Presidente da República mencionou na carta ao Tribunal Constitucional que esta alteração legal surge na sequência de uma recomendação europeia sobre o intercâmbio de informações.
"Como se compreende, uma indefinição conceptual não pode manter-se numa matéria com esta sensibilidade, em que se exige a maior certeza jurídica possível, tanto mais que está em curso a quarta Avaliação Schengen ao Estado português, cujas missões programadas de avaliação decorrerão, previsivelmente, até março de 2023", considerou.
Lusa