“Não se pode dizer que os condenados e as pessoas que estiveram presas não têm direito à honra. Não podemos afirmar que o assistente não se possa sentir ofendido”, considerou a procuradora do MP nas alegações finais do julgamento, realizado no Juízo Local Criminal de Lisboa, sublinhando que a “honra do assistente [Mário Machado] também existe”.
Em causa está uma frase escrita por Mamadou Ba na rede social X (antigo Twitter), na qual o ativista antirracismo considerou Mário Machado uma das figuras principais do assassinato do cidadão cabo-verdiano Alcindo Monteiro em 1995. Para a procuradora, o objeto deste processo é unicamente saber se a frase integra ou não o crime de difamação imputado a Mamadou Ba, salientando que “tudo o resto é ruído”.
“Esta frase leva qualquer destinatário a entender o assistente Mário Machado como sendo assassino de Alcindo Monteiro”, disse.
Considerou ainda que Mamadou Ba, sendo conhecedor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativo à morte de Alcindo Monteiro, proferiu “uma meia-verdade”, uma vez que Mário Machado não foi condenado pelo homicídio de Alcindo Monteiro.
O advogado de Mário Machado, José Manuel Castro, corroborou a posição do MP, considerando “verdadeiramente inadmissível” que se possa defender que nem todas as pessoas, independentemente do seu passado controverso, tenham direito à sua honra.
“Não se admite que, passados 20 e tal anos, se venha dizer que Mário Machado é um dos participantes envolvidos na morte de Alcindo Monteiro”, disse o advogado, alegando que Mamadou Ba passou a ideia de que o dirigente nacionalista é um assassino.
Considerou assim que a frase proferida por Mamadou Ba é “uma mentira ou uma meia-verdade repetida até à exaustão” e, quanto à medida da pena, sublinhou que a juíza saberá aplicar “uma pena proporcional e adequada”.
A advogada de Mamadou Ba, Isabel Duarte, lembrou que Mário Machado é “um nazi e um criminoso assumido” e que interveio indiretamente na morte do cidadão cabo-verdiano, tendo antes disso participado com um bastão em várias agressões a outras pessoas de raça negra.
Por isso, pediu a absolvição do seu cliente, defendendo que a frase “não contém elementos longe da realidade” e que a mesma resultou da atuação antirracista de Mamadou Ba nas redes sociais.
Entendeu ainda a advogada que este processo instaurado por Mário machado a Mamadou Ba foi feito de forma seletiva, pois “Mário Machado escolheu criteriosamente o seu cordeiro pascal” neste ativista antirracista.
“Viemos julgar um homem [Mamadou Ba] com base na banalização do mal”, criticou ainda Isabel Duarte.
Quanto às críticas ao "ruído" deste processo aludido pela procuradora e pelo advogado de Mário Machado e que levou uma galeria de políticos e outras figuras públicas a depor como testemunhas do arguido, Isabel Duarte contrapôs que isso resultou do facto de este processo ter "conotações políticas" porque Mário Machado e Mamadou Ba estão em polos opostos, sendo que aquele último "teve o apoio da sociedade civil".
Nas palavras de Isabel Duarte, citando uma das testemunhas, Mário Machado é um "racista assumido e um perigo social".
No final da audiência, o arguido Mamadou Ba usou da palavra para reiterar que "Mário Machado teve um papel central na promoção da violência política que esteve na origem da morte de Alcindo Monteiro e ainda continua a ter no contexto atual".
"Ele assume-se como um combatente nacionalista, orgulhosamente filiado ao supremacismo" branco, disse Mamadou Ba, acrescentando que esta filiação à "ideologia da morte responsabiliza-o inequivocamente pelas consequências da promoção desta ideologia".
A leitura da sentença está marcada para 20 de outubro, às 11:00.
Enquanto decorriam as alegações finais, um grupo de cerca de 20 pessoas concentrou-se pacificamente junto ao edifício B do Campus de Justiça em solidariedade com Mamadou Ba.
Antes do início da sessão, o ativista antirracista cumprimentou os seus apoiantes, enviando "beijinhos e abraços”.
Lusa