“Temos de distinguir o tráfico do consumo, temos de proteger o consumidor, que é um doente, e distingui-lo do traficante. E temos de ter um combate mais incisivo contra o tráfico”, afirmou Nelson Carvalho.
O diretor da UCAD falava na comissão de Saúde da Assembleia da República, em Lisboa, a requerimento do PSD, a propósito da situação da Madeira em matéria de drogas em 2021, referida no relatório anual do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).
Nelson Carvalho salientou que é necessário que a Assembleia da República altere a lei de combate à droga 15/93, apontando que a portaria “que estabelece as quantidades para distinguir o tráfico e o consumo não é alterada há 27 anos”.
“Ou seja, se eu for apanhado com 0,1 grama de cocaína sou considerado consumidor, se eu for apanhado com 0,1 grama de mefedrona, que já está criminalizada, sou traficante. Isto não faz qualquer sentido”, defendeu.
O responsável frisou, por outro lado, que a instalação do Laboratório da Polícia Científica na Madeira “é fundamental”, recordando que existem “processos que esperam meses pelos resultados das substâncias”.
“A ida para a Madeira é muito boa porque em dias ou até horas vamos conseguir identificar as substâncias”, apontou.
“Com o laboratório, e se a Assembleia da República proceder à alteração da Lei 15/93, em que se distinga o tráfico do consumo, aí vai ser muito mais fácil para a polícia e para os tribunais combater o tráfico e proteger o consumidor”, reforçou Nelson Carvalho.
O diretor da UCAD referiu ainda que as amostras dos doentes que vão ao serviço de urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal, na sequência do consumo destas drogas, vão ser enviadas para a Polícia Judiciária.
Assim, será possível identificar as substâncias, desenvolver as estratégias terapêuticas adequadas, assim como encaminhar para o mecanismo de alerta rápido e consequentemente criminalizadas mais rapidamente, explicou.
Nelson Carvalho adiantou também que a Madeira está a trabalhar numa comunidade terapêutica com o objetivo de tratar os doentes.
De acordo com o responsável, a Casa de Saúde São João de Deus, no Funchal, registou 1.807 internamentos devido ao consumo de drogas, 60% dos quais compulsivos, e “atualmente pelo menos uma pessoa por dia vai ao serviço de urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça por causa destas substâncias psicoativas”.
Nos primeiros anos, acrescentou, “cinco dias bastavam para tratar estes doentes”, enquanto “hoje em dia já são precisos 20 dias” porque são “drogas altamente potentes e altamente aditivas”.
Nelson Carvalho referiu ainda que, em 2021, “três pessoas foram internadas mais de 15 vezes na Casa de Saúde de São João de Deus”.
Sobre o decreto legislativo regional que reforça a penalização das novas drogas psicoativas, o diretor da UCAD disse que ainda não tem dados sobre a eficácia da medida, uma vez que entrou em vigor em março, mas assegurou que “é uma forma dissuasora”.
Em 2012, por iniciativa da Assembleia Legislativa da Madeira, foi aprovada uma lei que previa coimas para a comercialização das designadas novas drogas, que não eram criminalizadas.
Entretanto, em 01 de fevereiro, o parlamento regional aprovou, por unanimidade, uma proposta da maioria PSD/CDS-PP para reforçar a penalização.
O documento prevê a duplicação das coimas na comercialização destas drogas, que passam a ser entre 1.500 e 7.400 euros para pessoas singulares e vão até 90.000 euros para pessoas coletivas, associadas a punições como o encerramento do estabelecimento e interdição de acesso a diversos apoios e direitos, como a benefícios fiscais, benefícios de crédito, participação em conferências, feiras e mercados nacionais e internacionais, e proibição de candidatura em contratos públicos.
Nelson Carvalho recordou que o problema das novas substâncias psicoativas tem afetado a Madeira desde 2010, referindo que são drogas “extremamente baratas” e de fácil acesso.
O diretor da UCAD considerou que a região “fez o que tinha a fazer do ponto de vista da autonomia” para mitigar o problema, mas ressalvou que as novas drogas “são a prova provada que sem um bom quadro legal é muito difícil”.
Lusa