Num artigo publicado no Observador quatro meses depois da vitória do PS nas eleições legislativas de 30 de janeiro, Cavaco Silva pede desculpa pelo atraso com que felicita António Costa e considera: “Foi uma vitória da sua pessoa como líder do PS”.
“É certo que beneficiou dos erros do PSD e da benesse do PCP e do BE ao chumbarem o Orçamento do Estado para 2022, mas ninguém lhe pode tirar o mérito”, escreve Cavaco Silva, recordando que também ele beneficiou de uma benesse na conquista da primeira maioria, em julho de 1987: “a aprovação pela Assembleia da República da moção de censura ao governo apresentada pelo PRD”.
No artigo, lembra as maiorias absolutas que conquistou e enumera as reformas feitas no tempo dos seus governos, sublinhando que, nessa altura, foram dados alguns passos que abriram novas perspetivas à geração de Costa e que “facilitam” agora a tarefa do Governo.
“Receio que, na excitação da tomada de posse, se tenha esquecido de que vários desses passos resultaram do diálogo e do consenso com o seu partido”, escreve.
Cavaco lembra a persistência da parte dos seus governos para “estabelecer alguns consensos importantes” com o PS e sublinha vários, dizendo que o faz como estímulo para que o Governo de António Costa “faça mais e melhor”.
Começa por destacar as revisões constitucionais de 1989 e de 1992 e continua recordando que as posições do governo que liderou nas “complexas negociações” do Tratado de Maastricht tiveram o apoio do PS: “fruto do diálogo permanente mantido com o seu líder”, escreve.
Insistindo no espírito de diálogo com a oposição, Cavaco recorda igualmente a aprovação pelos seus governos, com o voto favorável do PS, da Lei de Bases do Sistema Educativo, a nova Lei das Finanças Locais, a Lei da Autonomia Universitária, a primeira Lei de Bases do Ambiente, a Lei do Mecenato Cultural, a Lei de Segurança Interna, os novos Códigos Penal e das Sociedades Comerciais, o Código do Procedimento Administrativo e a Lei de Bases dos Transportes Terrestres.
Lembra igualmente o “intenso, profundo e frutuoso diálogo” dos seus governos de maioria absoluta com os parceiros sociais e sublinha a assinatura de quatro acordos de concertação social.
“Pelo que observei nos seis anos de governo da “geringonça”, V. Exa. considera certamente um exagero o meu entusiasmo e valorização do diálogo e da concertação social”, escreve Cavaco, recordando que a concertação social contribuiu, no tempo dos seus governos, para “a redução da inflação, o aumento real dos salários e das pensões, a elevada taxa de crescimento da economia e para a aproximação do país ao nível médio de desenvolvimento da UE como nunca mais voltou a acontecer”.
Diz também que uma das reformas que gostaria de ter feito em consenso com o PS foi “a abertura da televisão à iniciativa privada e a liberalização da comunicação social”.
“O PS, surpreendentemente e não sei com que intenções, revelou-se contra o fim da anacrónica situação em que o Estado português detinha o controlo total ou quase total de cinco jornais diários e de um jornal desportivo e em que, no setor da radiodifusão, só a Rádio Renascença lhe escapava”, acrescenta, e dirigindo-se a Costa, escreve: “Espero que, hoje, V. Exa. reconheça que era um quadro redutor da liberdade de expressão e informação e atrofiador da sociedade civil”.
Sobre a situação fiscal, escreve que o atual sistema de impostos é caracterizado pela “iniquidade, ineficiência económica e pela brutalidade da sua carga para o nosso nível de desenvolvimento” e diz estar certo de que Costa atuará melhor no diálogo com os partidos e organizações sociais e deixará na história da fiscalidade portuguesa "uma marca reformista" que ultrapassará a dos governos de maioria absoluta que liderou.
Aponta ainda o dedo ao PS na área da saúde, por se ter oposto à aprovação, em 1987, da nova lei da gestão hospitalar e, em 1990, da Lei de Bases da Saúde, “que abriu à iniciativa privada a prestação de cuidados de saúde e que se manteve em vigor durante 29 anos, resistindo a cinco governos do PS”, sublinha.
“Face à deterioração da qualidade dos serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde durante o tempo do governo da “geringonça”, estou certo de que ao seu governo de maioria absoluta não faltará a coragem para fazer mais e melhor do que foi feito pelos meus governos na área da saúde”, escreve.
“Sendo conhecida a sua vontade de fazer reformas e habilidade no diálogo com o maior partido da oposição no sentido de as concretizar, estou certo que, com o seu governo de maioria absoluta, tudo correrá na perfeição”, conclui.