“Acho que o tribunal pode dar uma resposta rápida aos processos mas questiono-me também se não é um instrumento de segregação e para acelerar a expulsão dos imigrantes”, afirmou à Lusa a advogada Erica Acosta.
No último fim de semana, a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, disse que o Governo está a preparar um tribunal especializado em imigração e asilo.
A ideia já recebeu o apoio do vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura, Luís Azevedo Mendes, que realçou a sobrecarga sobre os tribunais administrativos com pedidos de intimação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para regularizar a situação de milhares de imigrantes.
No entanto, o advogado José Gaspar Schwalbach, autor de livros sobre questões de migração, duvida da eficácia da medida: “a criação de um tribunal num momento em que não existem nem juízes, nem funcionários judiciários, cria o risco de criar um tribunal para cidadãos de segunda, sem meios e com tempos de resposta mais lentos que os tribunais administrativos, que já são muito maus”.
Também a advogada Catarina Zuccaro é crítica da solução, lamentando que se misturem processos administrativos e criminais dentro do mesmo tribunal.
“É mais uma forma de separação do ser migrante, que é diferente dos outros seres humanos”, lamentou a advogada, recordando que as questões migratórias tanto podem ser criminais ou administrativas.
“A matéria de imigração é administrativa, mas algumas pessoas cometem crimes” e existem processos por “auxílio à imigração ilegal ou casamento por conveniência que estão no Código Penal”, recordou Zuccaro.
“Misturar estes temas no mesmo local não dá certo”, afirmou, acrescentando que “um tribunal para estrangeiros não é uma grande solução” porque “a justiça é para todos por igual e não para uns e para outros”.
José Gaspar Schwalbach admite que um fórum judicial administrativo especializado pode fazer sentido, mas “não deve incluir a parte criminal”.
Por outro lado, “é preciso ver como será a orgânica, se é um tribunal mesmo ou uma unidade orgânica do tribunal administrativo”, uma solução que implicará sempre mais consumo de recursos escassos.
“A falta de meios levará a que não haja resposta em tempo útil, porque no [tribunal] administrativo falamos em intimações de sete dias a que não se consegue dar resposta” e “agora querem convencer-nos que vão cumprir [os prazos] com esta especialização”, acrescentou Schwalbach.
“É impossível que haja uma migração destes processos todos para um tribunal sem meios”, resumiu.
Erica Acosta aponta mais um risco com este novo tribunal especializado, porque vai existir uma nova onda de casos irregulares com o fim das manifestações de interesse, uma solução jurídica que permitia a um estrangeiro em Portugal comunicar às autoridades que tinha perspetivas de trabalho e queria regularizar-se como imigrante.
“Essa medida vai levar a uma acumulação de imigrantes em situação irregular” em Portugal e “questiono-me se o objetivo desse novo tribunal não é acelerar a expulsão das pessoas do território nacional”, afirmou, embora dê o benefício da dúvida, esperando que a solução “venha dar mais celeridade e dinâmica à justiça portuguesa”.
No entanto, tudo indica que se trata de uma “medida que tende a segregar e não a acolher”, salientou Erica Acosta, que critica a ideia também por alimentar a ideia que as migrações são um problema grave.
“É preciso desmistificar a imigração em Portugal”, porque “há a ideia que o fluxo é muito grande”, mas “isso não é verdade”, disse.
“Em 2022, Portugal teve 2.500 pedidos de asilo e Espanha teve 117 mil”, exemplificou.
Lusa