A poucos dias do início dos Jogos Olímpicos, muitas pessoas reúnem-se ao fim da tarde numa rua perto da estação de metro de Nation, em Paris, para receber comida das mãos dos jovens voluntários da associação Utopia 56, após terem sido expulsos das zonas mais centrais onde residiam na capital.
Para uma mãe de dois gémeos de quatro anos, que se mudou do Mali para a França na procura de melhores condições para a sua família, os Jogos Olímpicos “tiraram tudo” e dificultaram a forma como pode cuidar dos seus filhos, que “muitas vezes ficam traumatizados” com a situação em que estão a viver, em que a associação é fundamental no apoio às famílias.
“Um dia estava na receção da Câmara Municipal, onde falei com uma senhora e disse-lhe que não sabia para onde ia. Ela disse-me que tinha de me ir embora e que a Utopia ajuda muita gente”, disse à Lusa.
Em torno do local de distribuição de refeições, prossegue a azáfama normal do bairro, misturada com as gargalhadas das crianças a brincar, que escondem a realidade destas famílias desfavorecidas que foram despejadas ao longo das últimas semanas das suas casas improvisadas para serem levadas, na melhor das hipóteses, para abrigos temporários de um mês.
Também a associação teve de mudar a localização onde atuava, deixando o Hôtel de Ville, no 4.º bairro de Paris, para atuar perto no 12.º bairro.
“Isso mudou completamente os nossos hábitos e também os das pessoas, porque algumas pessoas não querem mudar-se para aqui e outras não sabem como chegar a este sítio, é por isso que temos muito menos pessoas, porque antes, há quatro semanas, havia muito mais”, afirmou Christina Rudin, de 19 anos, no seu último dia de estágio na associação.
Para um homem francês, de 42 anos, pai de cinco filhos, “aconteceu um encobrimento” com a polícia a expulsar e deslocar pessoas de muitos sítios “para outras cidades fora de Paris” e mandarem procurar ajuda na Utopia 56.
“A polícia está a expulsar-nos, expulsam-nos dos bairros da classe média. Estão mesmo a dizer-nos para irmos embora, não podemos ficar lá e de facto eles usam a Utopia para esconder a miséria”, referiu, enquanto colocava alguns sacos e mochilas pendurados num carrinho de bebé.
Durante a ação, um entregador trouxe algumas caixas de comida para juntar à sopa que era distribuída, fazendo as pessoas, a maioria mulheres, levantar-se e dirigir-se aos voluntários na esperança de poder levar mais que uma embalagem para as suas famílias.
Uma jovem de 28 anos, residente em Paris há três anos e natural da Costa do Marfim, referiu que a sua situação não mudou nem sentiu diferença após as medidas do Governo francês.
“Com os Jogos Olímpicos muita gente deixou Paris, mas para mim continua a ser sempre a mesma coisa”, afirmou, conformada com a sua situação.
Uma voluntária de 18 anos, Charlie Villalba, revelou que para além desta ação diária, também há “distribuição de pequenos-almoços, ainda que não diariamente” e “uma localização que acolhe 110 pessoas todas as noites”, além da distribuição de comida, roupas, cobertores, tendas e outras necessidades à noite.
A estudante, que veio para Paris para se voluntariar, partilhou ainda a história de um casal de espanhóis, “uma nacionalidade que não é usual de imaginar nestas circunstâncias”, um homem cego e de uma mulher trans, que não falam francês e enfrentam ataques e agressões.
A Utopia 56, que defende os direitos das pessoas em situação de exílio e migração, faz parte do coletivo Le Revers de la Médaille (O Outro Lado da Medalha), que se tem manifestado sobre o impacto dos Jogos Olímpicos, que se realizam a partir de 26 de julho e serão seguidos dos Paralímpicos, que terminam a 08 de setembro.
Lusa